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O primeiro livro dos Macabeus: Uma guerra pela preservação da Lei?

1- Introdução

O presente trabalho trata-se da pesquisa sobre o primeiro livro dos Macabeus, tendo como princípio da pesquisa entender o processo evolutivo, a época em que foi escrito, o conteúdo e a autoria do texto. A escolha do livro deveu-se ao fato de o mesmo ser pouco pesquisados no ambiente acadêmico do Seminário Teológico Batista de Duque de Caxias, segundo informação obtida com a professora, em sala de aula, mais especificamente na matéria de introdução bíblica, além de ser um texto rico em dados históricos de um período que não é descritos no Canon Sagrado. O presente trabalho não tem como propósito esgotar tudo que se pode saber sobre o livro, mas fazer uma analise introdutória do conteúdo escrito. A metodologia utilizada foi a de pesquisa no texto bíblico, livros relacionados com o assunto  e conteúdo on line – Internet. Encontrei dificuldade no processo de pesquisa tendo em vista ser este um texto nada usual em nossas comunidades de fé, sendo encontrado somente em bíblias com o Cânon diferente do encontrado nas bíblias utilizadas pelos protestantes. O texto versa sobre um período histórico e conta os feitos de um grupo de Judeus piedosos, cumpridores da lei a todo custo, inclusive com o sacrifício da própria vida, que tenta expurgar da sociedade e religiosidade Judaica os conceitos implantados por meio de decretos, perseguições e assassinatos destes homens piedosos, bem como de seus familiares. O texto do trabalho está organizado em tópicos que atenderam à solicitação da professora quando da solicitação do trabalho.

    2 – Data da escrita

O contexto histórico do primeiro livro dos Macabeus se entrelaça com a história do império Grego dividido entre alguns generais. Nesse contexto encontramos a nome de Antíoco Epífanes, que entra em Jerusalém, voltando de uma batalha no Egito, sacrifica um porco no altar, dedica um altar no templo a Zeus e destrói as cópias da Lei. Estabeleceu a pena de morte para quem praticasse a circuncisão e ordenou que não se guardasse o sábado. Aproximadamente em dezembro de 168 a.C, o sacrifício do Templo cessou. A abominação da desolação descrita em Daniel.

A precisão da data da escrita do livro é difícil de afirmar, tendo em vista que o texto original em hebraico não foi conservado e somente o texto grego serve de base para as pesquisas atuais. O comentário introdutório dos livros dos Macabeus, da bíblia de Jerusalém – Nova edição revista e ampliada dá a entender que o texto foi escrito depois do ano de 134 a.C e antes da tomada de Jerusalém por Pompeu, em 63 a.C. No capítulo 16, vers. 23-24, há uma indicação de que o texto foi escrito no final do reinado de João Hircano, provavelmente após a sua morte. Com essas datas, é possível enxergar como data mais aproximada da escrita o ano 100 a.C.

“Quanto ao restante dos feitos de João, das guerras e façanhas que realizou, da reconstrução dos muros que levou a termo e de todas as suas empresas, essas coisas estão relatadas nos anais do seu sumo sacerdócio, desde o tempo em que se tornou sumo sacerdote depois de seu pai.” 1Mc cap. 16 vers. 23,24.

3 – Conteúdo

De conteúdo exclusivamente histórico, o primeiro livro dos Macabeus, narra resumidamente os feitos de um grande líder mundial, sua morte e a divisão de seu reino pelos oficiais e nobres do reino e ascensão desses oficiais que influenciaram negativamente o modo de vida do povo de Deus, seja no seu contexto social ou no seu contexto religioso.  Além disso, conta a história de homens que, zelosos que eram pela preservação da lei e da tradição de seus antepassados, no que se refere à forma de culto e forma de adoração, se lançam em uma campanha militar para libertar Israel do jugo opressor e restabelecer a liberdade religiosa e política da nação. Os Judeus desse período tiveram a principio, uma resistência passiva, não cumprindo os editos do rei e por conta disso sendo sacrificados junto com seus familiares. Quando a perseguição recrudesceu e a medida em que os fogos da adoração a Deus queimavam mais baixo, eles decidiram levar as mãos às armas e às armas tendo dessa forma uma resistência ativa. Matatias, da linhagem de Chasmon ou Hasmon e seus cinco filhos: João, Judas, Eleazar e Jonatã, empreenderam várias campanhas para libertar Israel do julgo opressor. Uniram-se a Matatias Judeus de toda a palestina inconformados com a política opressora de Antíoco Epífanes e antes desses, os Hassidins ou assideus (zelotes da lei). Após a morte de Matatias, Judas assume a liderança dos revoltosos tendo Simão como seu conselheiro principal. Foi chamado de Macabeus (Martelador) por ter sido um excelente general. Depois de várias vitórias, Judas entrou em Jerusalém em 165 a.C e re-dedicou o templo ao culto ao Senhor.

Judas intencionava uma liberdade não só religiosa, mas almejava também alcançar uma liberdade política. Os Hassidins se opuseram a este plano e não participaram das batalhas com este intento. Muitos judeus sentiram-se ofendidos quando Judas apelara a Roma por ajuda (I Mac. 8:17-32). Na batalha de Elasa, em 161 a.C, com apenas 600 soldados, Judas foi morto.

Sucedeu a Judas, seu irmão Jonatã, tornando-se um brilhante líder, principalmente por seu sucesso em manobras políticas, tendo sido inclusive designado como sumo-sacerdote, fazendo com que os judeus recebessem liberdade religiosa. Após a sua morte, Simão assumiu a liderança e o sumo sacerdócio. Por ser um astuto político e por sua maneira diplomática de agir, em 142 a.C, Simão conseguiu a tão sonhada independência política. Essa independência durou de 142 a.C a 63 a.C. Os príncipes que se seguiram a João Hircano I, filho de Simão, não eram de espírito patriota, corajosos e auto-sacrificial, marcas inerentes aos antigos Macabeus. Eles enfraqueceram a liderança de Isael a custas de posição e intriga política, muitas das vezes havendo discórdias de irmão contra irmão, filho contra mãe, tendo sido finalmente apelado à força romana e com esta intervenção a nação judaica torna-se uma província romana.

Uma leitura cuidadosa do texto do primeiro livro dos Macabeus nos leva e supor que em algum momento foram feitos acréscimo ao texto de forma a atender a uma demanda específica. Isso pode ser notado quando após várias narrativas de guerras e conquistas por parte dos Judeus, repentinamente encontramos um texto que tem por finalidade apenas reforçar a importância dos membros de uma família, a saber, a família de Matatias, como líderes nacionais. Cap 8, Cap 12, 1-23, Cap 14, 16-24 e 25-49, Cap 15,15-24.

Esses possíveis acréscimos ao relato inicial de campanhas militares e conquistas e o final repentino em 16.23-24, talvez queira mostrar que a função do primeiro livro dos Macabeus seja contar a história das origens da dinastia assim como da primeira geração desta dinastia, encarregada de libertar Israel.

Há momentos no texto em que se percebem as relações dessa dinastia com Roma e Esparta, demonstrando dessa forma o relacionamento da primeira geração de libertadores deste período com povos distantes e com os povos que dominavam o mundo da época.

O conteúdo de I Macabeus pode ser estruturado da seguinte forma:

1.     Prólogo

Relato sobre Alexandre Magno até Antíoco IV, chamado de Epífanes, onde são estabelecidos informações de cunho histórico que podem ser ratificados através de conteúdos de história geral.

2.     Introdução

Neste ponto, encontramos a descrição da origem de toda a perseguição instaurada em Israel a partir de Antíoco Epífanes. Nesta introdução, encontramos também a descrição da apostasia de alguns Judeus e as aflições geradas pela apostasia existente.

3.     Parte central do Livro

Nesta parte do livro, encontramos o processo de restabelecimento da liberdade religiosa e política de Israel, instaurada à custa de sacrifício dos defensores da Lei e do culto dos antepassados. É precisamente nesta parte que encontramos a ação de Matatias, que com forte zelo pela lei levanta uma revolta contra os opressores, a fim de manter puros, tanto o templo que fora profanado, como o povo que fora incitado a abandonar ao Deus verdadeiro e oferecer sacrifício aos deuses dos outros povos. Os editos de Antíoco Epífanes, no pensamento de Matatias eram por demais desonrosos e deviam ser a todo custo desprezados. Entretanto, não eram todos da parte de Israel que queriam manter essa pureza apregoada por Matatias.

Há dois momentos entre tantos outros que vale destacar: O primeiro ocorre quando os emissários do rei chegam a Modim para sacrificar e convida Matatias como “chefe ilustre” para cumprir a ordem do rei em primeiro lugar. Matatias não só recusa-se a abandonar as leis e tradições como, tomado de intensa ira, arremete-se contra um Judeu apóstata e o trucida em cima do altar tendo logo em seguida matado o emissário do rei. O segundo momento descreve a decisão que Matatias e seus companheiros tomaram de quebrar a guarda do sábado caso fosse necessário salvar as suas próprias vidas, das suas mulheres e de seus filhos. Isto mostra a ação zelosa de Matatias, tentando nos fazer perceber quais eram as atitudes corretas a serem tomadas naquele contexto histórico.

É possível perceber também, que o texto deixa a mensagem de que a medida quem o zelo de Matatias era assimilado pelo povo, o sofrimento e as aflições eram diminuídos. Nesta parte central, são citadas as lutas pela libertação de Israel e cumprimento de alvos estabelecidos na purificação do templo e do povo, bem como a libertação de Judeus que haviam se refugiado em regiões vizinhas.

Temos ainda na parte central a descrição da morte do sanguinário Antíoco Epífanes e a ascensão de Antíoco V que marcha até Jerusalém incitados por judeus apostatas. A libertação continua e é concluída sob a liderança de Jonatas e Simão.

4 – Autoria

Pouco se sabe sobre o autor, mas é altamente possível que se tratasse de um nativo da Palestina, tendo em vista a língua em que fora escrito o livro e o conhecimento profundo da geografia da Palestina. O contexto histórico do livro revela que não há nenhuma ação em querer esconder a simpatia do escritor aos que compunham a dinastia Hasmonéia, tendo sido o livro escrito sob esta perspectiva, aos olhos da própria dinastia. Citar o nome precisamente de quem escreveu o livro é temeroso, mas podemos inferir da prática de se elevar o nome dos Hasmoneus, que o livro foi escrito por alguém desta dinastia ou que tinha muita simpatia por esta dinastia. Há uma perspectiva unilateral na construção histórica do texto de forma que o mesmo é sempre favorável aos Hasmoneus e coloca Judas e seus irmãos como lutadores e libertadores de Israel e restauradores da prática religiosa, política e social anteriormente existente em Israel.

5 – Conclusão

A conclusão que se chega ao se ler o primeiro livro dos Macabeus é de um mergulho não muito profundo na história intertestamentária. Há muitos fatos que podem ser comprovados historicamente, porém há muitos outros que podem ser fictícios tendo em vista terem sido escrito sob uma perspectiva totalmente favorável a uma parcela do povo, os Hasmoneus.

Não há como aceitá-lo entre os livros canônicos, aja vista ter sido compilado em um período onde o Cânon aceito já havia sido encerrado. A inscrição de 1Mac 4,45-46 “Demoliram-no, pois, e depuseram as pedras sobre o monte da Morada conveniente, à espera de que viesse algum profeta e se pronunciasse a respeito” denota a falta de conhecimento de alguém  a altura dos profetas de Deus para falar no meio do povo. A afirmação de um grande sofrimento por parte do autor é colocada em termos cronológicos como em um momento em que não havia mais profetas no meio deles “Foi uma grande tribulação para Israel, como nunca houve desde o dia em que não mais aparecera um profeta no meio deles” 1Mac 9.27.

O primeiro livro dos Macabeus preocupa-se em mostrar e exaltar uma dinastia e seus atos não se preocupando em creditar esses atos ao Deus de Israel, e nos leva pensar se o interesse central não seria somente o de mostrar os feitos desta dinastia, em detrimento à preservação da Lei.

O historiador judeu Flavio Josefo declara que desde Artaxerxes não fora encontrada escrita que fosse díguina de crédito igual aos registros mais antigos, pelo fato de não possuir a anotação exata da sucessão de profetas. Para Flavio Josefo só havia 22 livros considerados canônicos e que nenhum além desses poderiam ser considerado.

Orígenes deixa ao morrer uma lista de 22 livros canônicos semelhantes ao de Josefo, não tendo inserido nenhum livro apócrifo.

6 – Bibliografia

ENGEL, Helmut et al. Introdução ao Antigo Testamento. Brasil, São Paulo: Edições Loyola, 2003.

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus – de Abraão à queda de Jerusalém. Brasil, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004 8ª edição.

GORGULHO, Gilberto da Silva et al. Bíblia de Jerusalém. Brasil, São Paulo: Editora Paulus, 2004.

Porque recusamos os Apócrifos – Parte I. Disponível em <http://solascriptura-tt.org/Bibliologia-InspiracApologetCriacionis/PorqueRecusamosApocrifos-DefesaFeICP.htm> Acesso em 20 de fevereiro de 2011.

Livro de Rute: A Redenção da mulher através de atos de fidelidade.

1 – Introdução

O presente trabalho trata-se da pesquisa sobre o livro Histórico denominado Rute. Tem por princípio entender o processo evolutivo, a época em que foi escrito, o conteúdo e a autoria do texto. É impossível esgotar tudo que se pode saber sobre o livro, tendo sido feito apenas uma análise introdutória do conteúdo escrito. Usei como metodologia a pesquisa no texto bíblico, livros relacionados com o assunto e conteúdo on line – Internet. O texto tem uma só narrativa desdobrada em quatro atos, tradicionalmente feita pela subdivisão dos capítulos. A estruturação da pesquisa se deu através da análise da estrutura, do entendimento do surgimento e contexto histórico-teológico, das ênfases teológicas e da relevância do livro.  Os acontecimentos do livro falam de uma época antes da instalação da monarquia em Israel. O livro foi guardado e transmitido de forma oral por vários séculos antes da sua compilação pelos escritores.

2 – Estrutura

    O livro de Rute aborda o tema da realidade social de mulheres numa sociedade patriarcal. Fala da luta de sobrevivência de três mulheres num mundo que era mais favorável aos homens que às mulheres, além de ser ameaçador à vida, sobretudo quando se era mulher e pobre. Neste livro, as mulheres são vítimas e objetos de negociação que agem com coragem e astúcia. O livro fala também da solidariedade e rivalidade entre mulheres.

    Rute, uma jovem mulher estrangeira, acaba se tornando salvadora da vida de sua sogra judia Noemi e se torna bisavó do rei David, que viria a ser de importância crucial na geração da salvação da vida judaica. Somente estes fatos tornam este livro em um livro de militância feminina,  discutindo a visão unilateral androcêntrica da história das genealogias de Israel onde apenas os patriarcas são destacados. Seguindo esta perspectiva, é bem aceita a hipótese de que o livro é o resultado de um grupo de autores onde existiu a atuação de mulheres na sua composição.

    O inicio do livro evoca uma memória histórica de Israel, quando nos faz lembrar a história Abraão e Sara, assim como a família de Jacó que sai de suas terras para fugirem da fome existente. Assim como estes, Elimelec, sua mulher Noemi e seus dois filhos, Maalon e Quelion, efrateus de Belém de Judá, saem de sua terra para fugir da fome. Tendo ido até Moab para sobreviver, a terra evidencia-se como lugar de morte, tragando primeiro Elimelec, depois os dois filhos que haviam se casado depois da morte do pai com duas mulheres moabitas, a saber, Orfa e Rute. O livro passa a relatar como a viúva Noemi, sozinha alcança novamente a plenitude da vida através da providência de Deus e da disponibilidade em permanecer com Noemi e de fazer da vida religiosa e social de Noemi a sua própria vida, assumindo a promessa de viver e morrer com Noemi, adorar ao seu Deus, fazer parte do seu povo e morrer em sua terra.

“Respondeu Rute: “não insistas comigo para que te deixe, pois para onde fores, irei também, onde for tua moradia, será também minha; teu povo será o meu povo e teu Deus será o meu Deus. Onde morreres, quero morrer e ser sepultada. Que Iahvew me mande este castigo e acrescente mais este se outra coisa, a não ser a morte, me separar de ti.” Cap. 1: 1-17

    Após se instalar em Belém com Noemi, Rute recolhe espigas no campo de um homem chamado Boaz, utilizando o direito que os pobres tinham de recolher das espigas que eram deixadas no campo.1 Vestida como uma noiva deita-se após a colheita junto a Boaz e Pede para que ele assuma o direito de resgate. Depois de um parente mais próximo abrir mão do direito de levirato, Boaz casa-se com ela.

    O livro, de uma só narrativa, desdobra-se em quatro atos, relacionados entre si. O primeiro ato desenrola-se no capitulo primeiro, onde encontramos os dados sobre a viúves de Noemi, Orfa e Rute, e retorno para Belém. O primeiro ato é centralizado em Noemi e pode ser entendido através de três sub-atos: abertura do livro (1-5), decisão de Rute em favor de Noemi através da tríplice rodada de diálogo rumo a Belém (6-19a) e Chegada a Belém. O segundo ato, desenrola-se no capitulo 2 tendo Rute como personagem principal, dividindo-se também em três sub-atos: abertura e narrativa de como Boaz era relacionado com a história de Noemi, e agora de Rute, (1-2), encontro entre Rute e Boaz no campo, onde Rute se prostra perante Boaz (3-15) e diálogo explicativo entre Noemi-Rute, onde a relação familiar de Boaz é estipulada e onde é mostrado as vantagens de estar nos campos de Boaz (19-22). O terceiro ato é centrado em Rute, sendo descrito no capitulo três, subdividido em três sub-atos: abertura e diálogo de Noemi e Rute onde Noemi instrui Rute quanto ao que fazer em relação à Boaz (1-5), encontro entre Boaz e Rute na eira de cevada, onde Rute se deita junto de Boaz (6-15) e diálogo explicativo entre Noemi e Rute onde é relatado o que aconteceu com Rute durante do tempo em que ela esteve com Boaz e os benefícios desta estadia. Finalmente, o quarto ato, centralizado em Noemi, é dividido em três sub-atos descritos no capítulo quatro: momento de abertura que principia com a ação do ato de direito de resgate, solicitado por Boaz (1-2), Decisão de Boaz em resgatar Rute e Noemi com uma tríplice rodada de diálogos no portão de Belém (3-12) e nascimento em Belém do filho de Rute com Boaz que faria parte da descendência de David.

    Uma leitura acurada do livro nos leva a perceber que os capítulos 2 e 3 são paralelos entre si, começando e terminando com diálogos entre Noemi e Rute, tendo no meio do capítulo encontros entre Rute e Boaz em horas semelhantes, meio dia no segundo ato e meia noite no terceiro ato. Desses encontros, Rute sempre recebe benefícios de Boaz e leva até sua Nora Noemi. Os cenários do primeiro e segundo capítulo parecem formar uma cadeia de paralelismo onde encontramos o percurso cidade-campo-cidade, no segundo ato e cidade-eira-cidade no terceiro ato. Há ainda um paralelismo dos capítulos 1 e 4 onde as mulheres de Belém dão a interpretação do acontecido.  Podemos ver paralelismo também na confissão de fidelidade de Rute a Noemi no capitulo 1.16 e Boaz no capitulo 4.9

    No que se refere ao aspecto literário, o livro de Rute pode ser classificado mais apropriadamente como romance. Como em todo romance o ponto de mudança é acrescentado quase que pelo acaso (2,3). Podemos ver isso no evento em que Noemi, morta, renasce em Belém da moabita Rute. As idéias de mestras de agir solidário, incentiva ao leitor a uma prática de vida correspondente ao livro.

        3 – Surgimento e contexto histórico-teológico

    A novela de Rute grande consistência estrutural, mas é questionável se a nota cronológica de abertura e a genealogia de David faziam parte do formato original do livro.  A nota no inicio do livro, que fala “no tempo em que os juízes governavam a terra”, se contrapõe ao fato de não se encontrar no livro nenhum nome de Juiz e nenhum verbo julgar. A genealogia de Davi parece ter sido acrescentada em um segundo momento, tendo em vista que a posição da genealogia no final de uma narrativa é incomum. O mais comum é uma narrativa da genealogia ser concentrada no início do livro ou em algum bloco narrativo no interior do livro que serviria para identificar as pessoas importantes deste bloco, o que de fato não ocorre. Mesmo que Boaz faça parte desta narrativa genealógica, ele não é efetivamente o ponto inicial ou final dela. Podemos discutir a intencionalidade do acréscimo da genealogia de David, tendo em vista que, se fosse para caracterizar a proto-história da família Davidica, que papéis teriam os personagens Noemi, Elimelec e seus dois filhos? É possível que o texto tenha sido “davidizado” tendo em vista a teologia pós-exílica que apontava para a esperança messiânica surgindo da família de David. Provavelmente, o final original do texto se dava em 4.16, fazendo com que o livro realmente tenha como uma de suas características principais é questionar o androcentrismo da época.

    É aceitável que o surgimento do livro tenha se dado logo após o exílio, provavelmente no sec. V. O conceito de “redenção e resgate” aponta para a conexão do matrimonio de cunhados (levirato) e direito preferencial de compra e recompra da propriedade familiar, ambos favoráveis a Noemi e Rute. Esse conceito da Lei seria difícil de imaginar no tempo pré-exílico. O fato de o conceito de família ser fortalecido em Rute são aspectos identificados com reação à ruína do estado de Israel, que no tempo dos Juízes, ainda não havia acontecido. Os temas “retorno do estrangeiro” e “nascimento” de um filho lembram as metáforas teológicas de Lamentações Isaias. O jogo planejado de nomes próprios significantes é típico da literatura pós-exílica. Através dos nomes das personagens, podemos identificar o contexto do livro e da história de cada uma delas. Elimelec – Deus se revela como rei. Noemi – Amoroso é Javé. Rute – Amiga, próxima, companheira. Orfa – aquela que se afasta. Maalon e Quelion – doentinho e fracote, respectivamente. Boaz – Nele há força. A perspectiva do livro em relação à mulher não seria comum no tempo pré-exílico. Há ainda várias referencias dentro do texto relacionadas com épocas impossíveis de serem vividas “no tempo em que os juízes julgavam a terra”. Podemos ver que Rute não abandona Noemi em contraposição a Abraão que abandona sua esposa Sara (Gn. 12.10-20).

    É aceitável que sua escrita date após o tempo de Esdras que deu muita ênfase ao cumprimento da Lei. Isso se infere pelo fato de não ter sido imediatamente cumprido a lei do Levirato, assunto tratado no texto do livro.  O texto também mostra à época que melhor que se cumprir a Lei era vivenciar a Lei no suprimento das carências humanas, a prática do amor, da bondade e da fidelidade. O Livro foi considerado Canônico no período pós-exílico e o critério usado para canonizá-lo foi somente a inspiração divina, tendo sido deixado de lado qualquer pretensão de considerá-lo canônico pela beleza estética e literária do texto.

    O livro é escrito em forma de novela, possivelmente com a intenção de atrair aos Judeus da época à leitura do mesmo. Tendo um enredo principal, a história utiliza-se também de elementos secundários para compor o conjunto literário.

4 – Ênfases Teológicas.

1.     Texto original de Rute

    Se considerarmos David como ponto principal do texto de Rute, teremos que datar o livro antes do exílio. Sendo assim o livro teria que ser lido como uma legitimação ou Apologia dos antepassados moabitas de David. Seria também um meio de fazer uma propaganda em favor da dinastia davidica, ou em favor da reivindicação dela sobre o reino do norte.

    Se considerarmos David fora do texto original, podemos ler o livro de várias formas distintas. Seria o livro uma bela história que enaltece a fidelidade da viúva; uma recomendação de fidelidade e solidariedade como virtudes fundamentais; um texto que enfatiza o dever do levirato e o dever de recompra da propriedade perdida da família; um escrito de protesto contra a política pós-exílica de isolamento, xenofobia, e intolerância defendidos por Jerusalém; um escrito opositor à proibição de matrimônios mistos, feito por Neemias e Esdras;

2.     Perspectivas messiânicas da configuração final do livro

Rute é compensada por causa da solidariedade com Noemi, se tornando uma das poucas a ocupar a lista de mães importantes para a história de Israel. Podemos identificar isso através da participação escrita do nome de Rute na genealogia de Obede, um dos antepassados de David e Jesus, o messias. Ao mesmo tempo o livro torna-se uma elaboração de como chegará o nascimento do “novo David”, o messias, pelo fato de serem praticadas a solidariedade diária e a disposição de ajudar. No momento e lugar que isso acontece, Israel pode ter esperança do nascimento do redentor-resgatador que realizará o direito dos injustiçados e trará plenitude de vida para os pobres.

     3.      A relação do livro com o Cânone do A.T. e o Pentateuco.

A posição de Rute no primeiro testamento, situado entre Juízes e Primeiro Samuel, marca a transição entre a anarquia de Juízes 19-21 “quando não havia rei em Israel”, onde a brutalidade dessa época era evidenciada através da violência contra as mulheres e a época do reinado que começa com David. O livro constitui uma contra-história ao episódio de Belém, referente a um crime sexual descrito em Juízes capítulos 19-20.

Mesmo sendo estrangeira em Belém, Rute é protegida por Boaz e evita a companhia de homens inescrupulosos. Ao mesmo tempo, mostra um divisor de águas para um novo tempo, quando se infere que assim como mulheres se empenharam corajosamente para a salvação do povo de Israel, ainda no Egito, conforme Êxodo 1.2, assim surge, segundo o livro de Rute o reinado a partir da ação decidida de duas mulheres, viúvas e marginalizadas.

5 – Relevância.

Na liturgia judaica, o livro de Rute é lido durante a Festa das Semanas, celebrada cinqüenta dias após a Festa da Páscoa. Esta festa encerrava a colheita dos cereais. Havia uma série de razões para ser ler o livro nesta festa: a ação do livro se desenrola no tempo da colheita, seguindo o período do início ao final da colheita da cevada e do trigo; David, bisneto de Rute, morreu numa Festa das Semanas; o livro faz alusão a David; a conversão de Rute ao judaísmo é apropriada para essa festa que celebra a dádiva da Lei; a fidelidade de Rute simboliza a fidelidade de Israel para com a Lei; o verdadeiro cumprimento da Lei reside na prática do amor ao próximo; de acordo com a Lei e a Festas das Semanas e o cuidado com os socialmente fracos estão intimamente ligados.

Nos dias de hoje há pelo menos três pontos relevantes no livro: Rute conta a história de uma mulher com destaque no papel constitutivo das mulheres na história do povo de Deus e da Igreja, tendo em vista ser antecessora do redentor da Igreja, desmascarando assim a estrutura patriarcal em sua narrativa; o livro narra a história de estrangeiros, e a provocação máxima é o fato de uma estrangeira ser apresentada como salvadora, ou genitora do salvador e a atitude de Rute em relação ao estrangeiro é que se apresenta o tempo messiânico e o livro tem de ser lido como história de esperança de pessoas simples, que não fazem especialmente coisas digno de nota para os que comentam a história mundial, mas que faz de atitudes simples de fidelidade e companheirismo um meio de atender aos necessitados e suprir suas necessidades básicas.

6 – CONCLUSÃO

A palavra chave do livro é Redenção. A segunda palavra importante no texto de Rute é Fidelidade. Fidelidade de Rute para com sua sogra, fidelidade de Deus para com as duas, fidelidade de Boaz para com Rute e fidelidade de Boaz a Lei Mosaica. A história de Rute nos dá uma visão rápida de um tempo mais pacífico nos dias em que os Juízes governavam a terra. O conteúdo do texto, embora curto, traz grandes mensagens relacionadas com o resgate da integridade feminina, colocando a mulher em posição de destaque, o que de fato não é comum na maioria da narrativa bíblica. A história é edificante no sentido em que mostra como é recompensado àquele que deposita em Deus a sua confiança e mostra que o Deus de Israel não estende sua misericórdia somente sobre o seu povo, mas a estende até mesmo aos estrangeiros. A fé na providência de Deus e o enfoque universalista da providência divina estão inseridos em todo o texto.

7 – Bibliografia

    1. Livros

ENGEL, Helmut et al. Introdução ao Antigo Testamento. Brasil, São Paulo: Edições Loyola, 2003.

JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus – de Abraão à queda de Jerusalém. Brasil, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004 8ª edição.

GORGULHO, Gilberto da Silva et al. Bíblia de Jerusalém. Brasil, São Paulo: Editora Paulus, 2004.

O livro de Rute – Estudo produzido pelo professor Tércio Machado Siqueira, professor de Antigo Testamento da FaTeo.



1Levíticos 19:9-10