Na praia, o menininho de camiseta vermelha, cor do sangue não lhe corre mais nas veias, de bermuda azul, cor do céu anoitecendo que ele jamais verá, dorme um sono brutalmente antecipado.
Olhando para o menininho, chamado de refugiado, como se de fato estivesse em algum lugar de refúgio, penso nos menininhos (e menininhas) que fizeram e fazem ainda parte da minha realidade.
Fico pensando que lá longe, como aqui perto, pode ter findado a vida de uma pessoa que com seus dotes, talentos e conhecimento, poderia revolucionar este mundo convulsionado.
Comovo-me com o menininho que parte, sem sequer saber o real motivo da sua partida. Sem ter tido a chance de ser alguém na vida, de ver mais um por do sol, de caminhar na areia da praia, de amar e de ser feliz.
Pensando nesse menininho de longe que parte, lembro de outros não de longe, mas de perto, de logo ali, que todos os dias partem. Partem para a morte, fim de uma miserável vida. Partem para a vida miserável, sem prazer de ser vivida.
Não estão na areia de uma praia de refugiados, mas nas calçadas, viadutos, becos e vielas de uma sociedade que os abortou antes de desabrochar para a vida. Penso nesses menininhos e meninas que não escolheram, mas que foram escolhidos pela desgraça da vida.
Penso também, nos menininhos e menininhas, maltratados, seviciados, estuprados por quem lhes devia cuidado, afeto e amor. A praia deles é praia de pranto, de dor, de desassossego. A posição de bruço não é para a morte que lhes finde o sofrimento, mas para o sofrimento que se perpetua e se eterniza nos momentos de seus martírios.
Penso nos menininhos e menininhas,, cujo caminho interrompido por balas perdidas, os fazem morrer também diante de um mar. O mar de sangue de suas próprias vidas interrompidas. Morrem em meio à briga entre os fora da lei e a lei.
Penso no meu menininho e na minha menininha, nascidos de mim, a quem tentei com meus esforços ensinar a justiça do Cristo em superioridade à injustiça humana. Desejo de que eles não se esqueçam do ensinamento dado, e se inquietem também com a injustiça social que degrada, separa, despreza e mata.
Na praia, o menininho de camiseta vermelha e bermuda azul, já não se da conta de mais nada. Já não sente a água gélida, a areia pelas ondas afofada, a brisa, a desigualdade que lhe empurrou para a praia silenciada de uma terra que era de outros homens, mas não de um menininho como ele.
Naquela praia, não vejo uma criança morta. Vejo a ignorância da raça humana e a desesperança em forma de menininho, de camiseta vermelha e bermuda azul.
Na praia, já não está o menininho, de camiseta vermelha e bermuda azul, mas na memória ele continua lá, indício da nossa desumanização acelerada, na forma de um menininho sem vida.
De certo que o Cristo, dono de todas as terras e de todas as praias, passou por ali, deu a mão ao menininho e o levou pra si, pois como ele já havia dito há muito tempo, dos tais é o seu Reino.
Essa é minha esperança utópica, única arma, neste momento, contra a ignorância da sociedade humana.
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