1 – Introdução
O presente trabalho trata-se da pesquisa sobre o livro Histórico denominado Rute. Tem por princípio entender o processo evolutivo, a época em que foi escrito, o conteúdo e a autoria do texto. É impossível esgotar tudo que se pode saber sobre o livro, tendo sido feito apenas uma análise introdutória do conteúdo escrito. Usei como metodologia a pesquisa no texto bíblico, livros relacionados com o assunto e conteúdo on line – Internet. O texto tem uma só narrativa desdobrada em quatro atos, tradicionalmente feita pela subdivisão dos capítulos. A estruturação da pesquisa se deu através da análise da estrutura, do entendimento do surgimento e contexto histórico-teológico, das ênfases teológicas e da relevância do livro. Os acontecimentos do livro falam de uma época antes da instalação da monarquia em Israel. O livro foi guardado e transmitido de forma oral por vários séculos antes da sua compilação pelos escritores.
2 – Estrutura
O livro de Rute aborda o tema da realidade social de mulheres numa sociedade patriarcal. Fala da luta de sobrevivência de três mulheres num mundo que era mais favorável aos homens que às mulheres, além de ser ameaçador à vida, sobretudo quando se era mulher e pobre. Neste livro, as mulheres são vítimas e objetos de negociação que agem com coragem e astúcia. O livro fala também da solidariedade e rivalidade entre mulheres.
Rute, uma jovem mulher estrangeira, acaba se tornando salvadora da vida de sua sogra judia Noemi e se torna bisavó do rei David, que viria a ser de importância crucial na geração da salvação da vida judaica. Somente estes fatos tornam este livro em um livro de militância feminina, discutindo a visão unilateral androcêntrica da história das genealogias de Israel onde apenas os patriarcas são destacados. Seguindo esta perspectiva, é bem aceita a hipótese de que o livro é o resultado de um grupo de autores onde existiu a atuação de mulheres na sua composição.
O inicio do livro evoca uma memória histórica de Israel, quando nos faz lembrar a história Abraão e Sara, assim como a família de Jacó que sai de suas terras para fugirem da fome existente. Assim como estes, Elimelec, sua mulher Noemi e seus dois filhos, Maalon e Quelion, efrateus de Belém de Judá, saem de sua terra para fugir da fome. Tendo ido até Moab para sobreviver, a terra evidencia-se como lugar de morte, tragando primeiro Elimelec, depois os dois filhos que haviam se casado depois da morte do pai com duas mulheres moabitas, a saber, Orfa e Rute. O livro passa a relatar como a viúva Noemi, sozinha alcança novamente a plenitude da vida através da providência de Deus e da disponibilidade em permanecer com Noemi e de fazer da vida religiosa e social de Noemi a sua própria vida, assumindo a promessa de viver e morrer com Noemi, adorar ao seu Deus, fazer parte do seu povo e morrer em sua terra.
“Respondeu Rute: “não insistas comigo para que te deixe, pois para onde fores, irei também, onde for tua moradia, será também minha; teu povo será o meu povo e teu Deus será o meu Deus. Onde morreres, quero morrer e ser sepultada. Que Iahvew me mande este castigo e acrescente mais este se outra coisa, a não ser a morte, me separar de ti.” Cap. 1: 1-17
Após se instalar em Belém com Noemi, Rute recolhe espigas no campo de um homem chamado Boaz, utilizando o direito que os pobres tinham de recolher das espigas que eram deixadas no campo.1 Vestida como uma noiva deita-se após a colheita junto a Boaz e Pede para que ele assuma o direito de resgate. Depois de um parente mais próximo abrir mão do direito de levirato, Boaz casa-se com ela.
O livro, de uma só narrativa, desdobra-se em quatro atos, relacionados entre si. O primeiro ato desenrola-se no capitulo primeiro, onde encontramos os dados sobre a viúves de Noemi, Orfa e Rute, e retorno para Belém. O primeiro ato é centralizado em Noemi e pode ser entendido através de três sub-atos: abertura do livro (1-5), decisão de Rute em favor de Noemi através da tríplice rodada de diálogo rumo a Belém (6-19a) e Chegada a Belém. O segundo ato, desenrola-se no capitulo 2 tendo Rute como personagem principal, dividindo-se também em três sub-atos: abertura e narrativa de como Boaz era relacionado com a história de Noemi, e agora de Rute, (1-2), encontro entre Rute e Boaz no campo, onde Rute se prostra perante Boaz (3-15) e diálogo explicativo entre Noemi-Rute, onde a relação familiar de Boaz é estipulada e onde é mostrado as vantagens de estar nos campos de Boaz (19-22). O terceiro ato é centrado em Rute, sendo descrito no capitulo três, subdividido em três sub-atos: abertura e diálogo de Noemi e Rute onde Noemi instrui Rute quanto ao que fazer em relação à Boaz (1-5), encontro entre Boaz e Rute na eira de cevada, onde Rute se deita junto de Boaz (6-15) e diálogo explicativo entre Noemi e Rute onde é relatado o que aconteceu com Rute durante do tempo em que ela esteve com Boaz e os benefícios desta estadia. Finalmente, o quarto ato, centralizado em Noemi, é dividido em três sub-atos descritos no capítulo quatro: momento de abertura que principia com a ação do ato de direito de resgate, solicitado por Boaz (1-2), Decisão de Boaz em resgatar Rute e Noemi com uma tríplice rodada de diálogos no portão de Belém (3-12) e nascimento em Belém do filho de Rute com Boaz que faria parte da descendência de David.
Uma leitura acurada do livro nos leva a perceber que os capítulos 2 e 3 são paralelos entre si, começando e terminando com diálogos entre Noemi e Rute, tendo no meio do capítulo encontros entre Rute e Boaz em horas semelhantes, meio dia no segundo ato e meia noite no terceiro ato. Desses encontros, Rute sempre recebe benefícios de Boaz e leva até sua Nora Noemi. Os cenários do primeiro e segundo capítulo parecem formar uma cadeia de paralelismo onde encontramos o percurso cidade-campo-cidade, no segundo ato e cidade-eira-cidade no terceiro ato. Há ainda um paralelismo dos capítulos 1 e 4 onde as mulheres de Belém dão a interpretação do acontecido. Podemos ver paralelismo também na confissão de fidelidade de Rute a Noemi no capitulo 1.16 e Boaz no capitulo 4.9
No que se refere ao aspecto literário, o livro de Rute pode ser classificado mais apropriadamente como romance. Como em todo romance o ponto de mudança é acrescentado quase que pelo acaso (2,3). Podemos ver isso no evento em que Noemi, morta, renasce em Belém da moabita Rute. As idéias de mestras de agir solidário, incentiva ao leitor a uma prática de vida correspondente ao livro.
3 – Surgimento e contexto histórico-teológico
A novela de Rute grande consistência estrutural, mas é questionável se a nota cronológica de abertura e a genealogia de David faziam parte do formato original do livro. A nota no inicio do livro, que fala “no tempo em que os juízes governavam a terra”, se contrapõe ao fato de não se encontrar no livro nenhum nome de Juiz e nenhum verbo julgar. A genealogia de Davi parece ter sido acrescentada em um segundo momento, tendo em vista que a posição da genealogia no final de uma narrativa é incomum. O mais comum é uma narrativa da genealogia ser concentrada no início do livro ou em algum bloco narrativo no interior do livro que serviria para identificar as pessoas importantes deste bloco, o que de fato não ocorre. Mesmo que Boaz faça parte desta narrativa genealógica, ele não é efetivamente o ponto inicial ou final dela. Podemos discutir a intencionalidade do acréscimo da genealogia de David, tendo em vista que, se fosse para caracterizar a proto-história da família Davidica, que papéis teriam os personagens Noemi, Elimelec e seus dois filhos? É possível que o texto tenha sido “davidizado” tendo em vista a teologia pós-exílica que apontava para a esperança messiânica surgindo da família de David. Provavelmente, o final original do texto se dava em 4.16, fazendo com que o livro realmente tenha como uma de suas características principais é questionar o androcentrismo da época.
É aceitável que o surgimento do livro tenha se dado logo após o exílio, provavelmente no sec. V. O conceito de “redenção e resgate” aponta para a conexão do matrimonio de cunhados (levirato) e direito preferencial de compra e recompra da propriedade familiar, ambos favoráveis a Noemi e Rute. Esse conceito da Lei seria difícil de imaginar no tempo pré-exílico. O fato de o conceito de família ser fortalecido em Rute são aspectos identificados com reação à ruína do estado de Israel, que no tempo dos Juízes, ainda não havia acontecido. Os temas “retorno do estrangeiro” e “nascimento” de um filho lembram as metáforas teológicas de Lamentações Isaias. O jogo planejado de nomes próprios significantes é típico da literatura pós-exílica. Através dos nomes das personagens, podemos identificar o contexto do livro e da história de cada uma delas. Elimelec – Deus se revela como rei. Noemi – Amoroso é Javé. Rute – Amiga, próxima, companheira. Orfa – aquela que se afasta. Maalon e Quelion – doentinho e fracote, respectivamente. Boaz – Nele há força. A perspectiva do livro em relação à mulher não seria comum no tempo pré-exílico. Há ainda várias referencias dentro do texto relacionadas com épocas impossíveis de serem vividas “no tempo em que os juízes julgavam a terra”. Podemos ver que Rute não abandona Noemi em contraposição a Abraão que abandona sua esposa Sara (Gn. 12.10-20).
É aceitável que sua escrita date após o tempo de Esdras que deu muita ênfase ao cumprimento da Lei. Isso se infere pelo fato de não ter sido imediatamente cumprido a lei do Levirato, assunto tratado no texto do livro. O texto também mostra à época que melhor que se cumprir a Lei era vivenciar a Lei no suprimento das carências humanas, a prática do amor, da bondade e da fidelidade. O Livro foi considerado Canônico no período pós-exílico e o critério usado para canonizá-lo foi somente a inspiração divina, tendo sido deixado de lado qualquer pretensão de considerá-lo canônico pela beleza estética e literária do texto.
O livro é escrito em forma de novela, possivelmente com a intenção de atrair aos Judeus da época à leitura do mesmo. Tendo um enredo principal, a história utiliza-se também de elementos secundários para compor o conjunto literário.
4 – Ênfases Teológicas.
1. Texto original de Rute
Se considerarmos David como ponto principal do texto de Rute, teremos que datar o livro antes do exílio. Sendo assim o livro teria que ser lido como uma legitimação ou Apologia dos antepassados moabitas de David. Seria também um meio de fazer uma propaganda em favor da dinastia davidica, ou em favor da reivindicação dela sobre o reino do norte.
Se considerarmos David fora do texto original, podemos ler o livro de várias formas distintas. Seria o livro uma bela história que enaltece a fidelidade da viúva; uma recomendação de fidelidade e solidariedade como virtudes fundamentais; um texto que enfatiza o dever do levirato e o dever de recompra da propriedade perdida da família; um escrito de protesto contra a política pós-exílica de isolamento, xenofobia, e intolerância defendidos por Jerusalém; um escrito opositor à proibição de matrimônios mistos, feito por Neemias e Esdras;
2. Perspectivas messiânicas da configuração final do livro
Rute é compensada por causa da solidariedade com Noemi, se tornando uma das poucas a ocupar a lista de mães importantes para a história de Israel. Podemos identificar isso através da participação escrita do nome de Rute na genealogia de Obede, um dos antepassados de David e Jesus, o messias. Ao mesmo tempo o livro torna-se uma elaboração de como chegará o nascimento do “novo David”, o messias, pelo fato de serem praticadas a solidariedade diária e a disposição de ajudar. No momento e lugar que isso acontece, Israel pode ter esperança do nascimento do redentor-resgatador que realizará o direito dos injustiçados e trará plenitude de vida para os pobres.
3. A relação do livro com o Cânone do A.T. e o Pentateuco.
A posição de Rute no primeiro testamento, situado entre Juízes e Primeiro Samuel, marca a transição entre a anarquia de Juízes 19-21 “quando não havia rei em Israel”, onde a brutalidade dessa época era evidenciada através da violência contra as mulheres e a época do reinado que começa com David. O livro constitui uma contra-história ao episódio de Belém, referente a um crime sexual descrito em Juízes capítulos 19-20.
Mesmo sendo estrangeira em Belém, Rute é protegida por Boaz e evita a companhia de homens inescrupulosos. Ao mesmo tempo, mostra um divisor de águas para um novo tempo, quando se infere que assim como mulheres se empenharam corajosamente para a salvação do povo de Israel, ainda no Egito, conforme Êxodo 1.2, assim surge, segundo o livro de Rute o reinado a partir da ação decidida de duas mulheres, viúvas e marginalizadas.
5 – Relevância.
Na liturgia judaica, o livro de Rute é lido durante a Festa das Semanas, celebrada cinqüenta dias após a Festa da Páscoa. Esta festa encerrava a colheita dos cereais. Havia uma série de razões para ser ler o livro nesta festa: a ação do livro se desenrola no tempo da colheita, seguindo o período do início ao final da colheita da cevada e do trigo; David, bisneto de Rute, morreu numa Festa das Semanas; o livro faz alusão a David; a conversão de Rute ao judaísmo é apropriada para essa festa que celebra a dádiva da Lei; a fidelidade de Rute simboliza a fidelidade de Israel para com a Lei; o verdadeiro cumprimento da Lei reside na prática do amor ao próximo; de acordo com a Lei e a Festas das Semanas e o cuidado com os socialmente fracos estão intimamente ligados.
Nos dias de hoje há pelo menos três pontos relevantes no livro: Rute conta a história de uma mulher com destaque no papel constitutivo das mulheres na história do povo de Deus e da Igreja, tendo em vista ser antecessora do redentor da Igreja, desmascarando assim a estrutura patriarcal em sua narrativa; o livro narra a história de estrangeiros, e a provocação máxima é o fato de uma estrangeira ser apresentada como salvadora, ou genitora do salvador e a atitude de Rute em relação ao estrangeiro é que se apresenta o tempo messiânico e o livro tem de ser lido como história de esperança de pessoas simples, que não fazem especialmente coisas digno de nota para os que comentam a história mundial, mas que faz de atitudes simples de fidelidade e companheirismo um meio de atender aos necessitados e suprir suas necessidades básicas.
6 – CONCLUSÃO
A palavra chave do livro é Redenção. A segunda palavra importante no texto de Rute é Fidelidade. Fidelidade de Rute para com sua sogra, fidelidade de Deus para com as duas, fidelidade de Boaz para com Rute e fidelidade de Boaz a Lei Mosaica. A história de Rute nos dá uma visão rápida de um tempo mais pacífico nos dias em que os Juízes governavam a terra. O conteúdo do texto, embora curto, traz grandes mensagens relacionadas com o resgate da integridade feminina, colocando a mulher em posição de destaque, o que de fato não é comum na maioria da narrativa bíblica. A história é edificante no sentido em que mostra como é recompensado àquele que deposita em Deus a sua confiança e mostra que o Deus de Israel não estende sua misericórdia somente sobre o seu povo, mas a estende até mesmo aos estrangeiros. A fé na providência de Deus e o enfoque universalista da providência divina estão inseridos em todo o texto.
7 – Bibliografia
1. Livros
ENGEL, Helmut et al. Introdução ao Antigo Testamento. Brasil, São Paulo: Edições Loyola, 2003.
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus – de Abraão à queda de Jerusalém. Brasil, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004 8ª edição.
GORGULHO, Gilberto da Silva et al. Bíblia de Jerusalém. Brasil, São Paulo: Editora Paulus, 2004.
O livro de Rute – Estudo produzido pelo professor Tércio Machado Siqueira, professor de Antigo Testamento da FaTeo.
1Levíticos 19:9-10
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