Sobre o autor
O texto foi escrito por Alessandro Rodrigues Rocha – Pastor Auxiliar da Segunda Igreja Batista de Petrópolis, Bacharel e Mestre em Teologia Sistemática pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Doutor em Teologia pela PUC-Rio. O autor é coordenador Acadêmico da Faterj, e editor da Série: “A Bíblia Aberta para Hoje”. Coordenador Acadêmico do Curso de Teologia na Unigranrio e autor das Obras Literárias Espírito Santo – Aspecto de uma Pneumatologia, Uma Introdução à filosofia da religião e Teologia sistemática no horizonte pós-moderno, publicados pela Editora Vida.
Resumo
A metafísica é apresentada como método de compreensão da verdade. Heráclito defende a ideia de que os contrários formam a unidade. Partindo da experiência, da existência, tendo como elemento primordial o vir-a-ser, onde a realidade está sujeita a um vir-a-ser continuo. O devir é o centro do pensamento de Heráclito. Nada na vida pode ser considerado como novo e não existe a possibilidade de experimentar da mesma coisa duas vezes da mesma forma. O contrário de Heráclito, Parmênides tenta eliminar variáveis e contradições. O princípio de sua abordagem é o ser é o que o não-ser não é.
Platão aproxima-se em um primeiro momento ao pensamento de Heráclito e de Parmênides. Arruma o pensamento de Heráclito e Parmênides e os organiza como um edifício de dois andares. Há o mundo das ideias, o mundo do ser, onde habita o conhecimento verdadeiro, a perfeição e o mundo das sombras, onde o que existe é a distorção do mundo das ideias. A ideia que temos da verdade, bondade, igualdade, a ideia universal do homem entre outras, não as temos pela experiência, mas por uma recordação. Nesse sentido, é necessário que recordemos aquilo que a alma capturou do mundo das ideias. Aristóteles sistematiza a metafísica em seu nível mais complexo, afirmando ser a metafísica a ciência capaz de dizer o ser como ser, sendo uma ciência que investiga o ser como ser e seus atributos que lhes são próprios em virtude da natureza. O lugar da verdade é o ser assim como é. Nesse sentido, a metafísica será uma filosofia do ser. A essência e existência defendida por Platão é visto por Aristóteles como coexistentes em um mesmo espaço, introjectado no próprio ser humano.
Quando o cristianismo encontra o mundo grego, a tarefa de demonstrar Deus revelado na aliança, encontra uma certa facilidade, pois coincide com o principio último da realidade, buscado na ontologia grega. Os apologetas do cristianismo pensaram encontrar na filosofia grega uma linguagem adequada para descrever o caráter extático da experiência religiosa. A teologia cristã encontra na filosofia grega um instrumental teórico que lhe permitia comunicar a experiência de fé com base no conhecimento. Com a metafísica, a teologia cristã identifica a verdade em sua única possibilidade, em sua condição unívoca e com a lógica e sua lei de não-contradição, a teologia cristã oferece elementos de coerção/exclusão capazes de manter a univocidade dos discursos. Nesse sentido, tanto a filosofia grega, quanto a teologia cristã, percorreram o mesmo caminha da afirmação da metafísica como método adequado a univocidade da verdade. O cristianismo abandona a equivocidade da metáfora para gradativamente se aproximar da univocidade da metafísica. Em suma, como compreensão de uma só voz acerca da verdade, pôde surgir numa religião marcada tão fortemente pelo uso da linguagem metafórica.
A igreja traduziu o conteúdo de sua mensagem do evangelho em termos racionais, para que essa mensagem fosse acessível ao pensamento grego. Essa junção de pensamentos facilitou a propagação do cristianismo. Justino Mártir, tendo estudado filosofia antes de sua conversão afirma que não só não existe oposição entre filosofia e cristianismo, mas pode-se afirmar que há uma grande identidade entre os dois. Ele busca na filosofia um método eficaz para combater as heresias, do ponto de vista interno e superar a crítica que era feita ao cristianismo, o que para ele era tolice, superstição misturada com fragmentos filosóficos. Em Justino, o discurso teológico-cristão volta-se para a metafísica e se distancia de outras fontes de reflexão teológicas pós-apostólicas.
Clemente de Alexandria considera que à filosofia tem a tarefa de conduzir os gentios a Cristo. Assim como os Judeus, não conhecendo o advento da salvação, tinham na lei uma expressão da vontade de Deus, os gregos estavam na mesma situação antes de conhecer a salvação e, não possuindo nem fé nem lei, a verdade lhes vinha do uso da razão natural. Mesmo que Deus não lhes tenha falado diretamente, nem por isso deixou de guiá-los pela razão. Para Orígenes cabe a primeira tentativa de sistematização da teologia cristã.
Para Agostinho, o conhecimento humano observa três aspectos: os sentidos, responsável pelo conhecimento dos corpos, a razão inferior, responsável pelo conhecimento das leis da natureza e a razão superior, responsável pelo conhecimento das verdades eternas. Agostinho estava convicto de que a alma é superior ao corpo, não podendo depender dele em nenhuma das suas atividades, nem mesmo na sensitiva. Agostinho, não concordando com a teoria da reminiscência, propõe a doutrina da iluminação, onde o Divino auxilia na compreensão das verdades eternas. Desta forma, Agostinho consagra a metafísica como instrumento adequado de conhecimento da verdade. Nesse sentido, os discursos teológicos devem partir de uma iluminação que lhe permita dizer a verdade sobre os temas da fé.
Tomas de Aquino afirma que se conhecemos toda a verdade nas razões eternas, isso não requer nenhuma revelação especial a não ser a da própria inteligência. A alma possui em si mesma a regra infalível da verdade. A verdade que em Platão só podia ser encontrada no mundo das ideias, para Agostinho, está na mente humana e pode ser conhecida pela inteligência, ela própria, um dom de Deus. A metafísica é sem dúvida o caminho pelo qual a filosofia grega afirmou a univocidade e na univocidade não há possibilidade de que se gerem várias interpretações e a partir dessas interpretações, qualquer leitura que se faça produzirá polissemia hermenêutica.
O que foi descrito até aqui reflete uma perspectiva metodológica que partindo em sua reflexão desde os princípios universais da fé e por dedução ia explicando-os, aplicando-os a outras realidades, onde as respostas estão elaboradas antes mesmo das perguntas serem feitas. Essa abordagem metodológica, com ênfase apologética, criou um corpo doutrinário que num primeiro momento possibilitou o diálogo da teologia cristã com a cultura a sua volta. A abordagem da teologia dogmática clássica contribuiu para a sustentação do discurso unívoco próprio do sistema manualista. As influencias da sublevação da metafísica no interior do discurso teológico-cristão, resulta em primeiro plano a dogmatização dos temas da fé instrumentalizados no âmbito da univocidade discursiva própria da teologia apologética. O próximo passo foi sistematizar os temas dogmatizados, para serem circunscritos no âmbito da manualística. A aproximação e o diálogo com a cultura grega constituiu um passo importante para a teologia cristã. A aproximação foi cristalizada e a experiência religiosa e a cultura foram identificadas como sendo a revelação. A permanência da metafísica como padrão metodológico para a teologia sistemático-dogmática negava seu valor primeiro quando se apresentava com elemento cultural capaz de comunicar sentido a homens e mulheres de uma época. A teologia sistemática manualista fez em seu discurso levando a mediação transformando-a em normas prescritivas, impossibilitando novas mediações. Este sistema manualista fecha seu ciclo quando poupa a muito dos seus leitores o pensamento critico pessoal e uma decisão independente e responsável. O pensamento dogmático se expressa na teologia com clara preferência pelas teses, que não são discutidas, mas que são apenas enunciadas postulando concordâncias ou rejeições, nunca em um pensamento dependente e responsabilidade pessoal.
Crítica
O texto é muito rico e denso em sua forma de abordar o assunto proposto. Como a proposta inicial do texto perpassa pelo conhecimento filosófico, há certa dificuldade de entender, em alguns momentos, os conceitos ali expostos. Quem nunca lidou com o conhecimento filosófico, no contexto da academia, terá alguma dificuldade de absorção do conteúdo. Nesse sentido, acredito que a leitura do mesmo teria sido mais eficaz, se na matriz curricular do curso, existisse já no principio a matéria de Filosofia.
A forma como o texto aborda a relação da teologia cristã com a filosofia grega, mostrando como a utilização de conceitos filosóficos serviram para uma teologia cristã pudesse ser anunciada, deixa bem claro que muitos conceitos da teologia cristã sofreram a influencia dos filósofos gregos. Esse é, no meu ponto de vista, muito interessante, pois consegue colocar o pensamento cristão ao lado do que se pode chamar de primeiros passos no conhecimento da verdade.
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