Resumo do texto “Esse Deus que dizem amar o sofrimento” de François Varone

            Se há vários textos do antigo testamento que fundamentam um total desagravo da parte de Deus pelo sacrifício sangrento, por que motivos o cristianismo se apegou tanto a esse tipo de visão da salvação? O Sangue e o cristianismo só podem fazer uma dupla perfeita se não estiverem sob o signo da religião. É a fé que faz com que sangue e cristianismo se consolidem.

            Quando o ser humano se viu diante do principio religioso de que o homem fraco deve se humilhar diante da divindade, tendo que pagar pelo seu perdão, acabou por entender de forma errada o sangue e o sacrifício de Jesus, rebaixando-os a somente a uma morte expiatória, tal como os animais da antiga aliança. Esse mal entendido, colocou o cristianismo em posição de rejeição e descrença.

            É preciso que se faça um exercício de libertar o sangue e o sacrifício de Jesus do contexto da “satisfação”, devolvendo-o para o contexto da revelação. No encontro do Cristo com Zaqueu, fica claro que a salvação se dá a partir da vida de Jesus e não a partir da sua morte. Nenhum sangue foi derramado na casa de Zaqueu, para que Jesus dissesse: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. A fala de Jesus, em vida, sequer considera que Zaqueu era um homem que pudesse encolerizar Deus e suscitar nele a ira, que exigiria o sacrifício.

            A forma como o cristianismo percebeu a “satisfação”, acabou fazendo de Deus um ser mau que está interessado somente cumprir rituais e preceitos jurídicos. A “satisfação” reduz Jesus a uma função meramente expiatória, tal como os animais da antiga aliança. Seguindo por esse caminho, toda a sua vida, ação e ensinamento só serviram para excitar o seu carrasco.

            Além de deformar a face de Deus, a “satisfação” deforma o sentido da igreja fazendo dela somente um poder religioso que está entre o homem pecador e o Deus ameaçador. Desta forma, a igreja passa a ser um mecanismo ritualista e ritualizante da fé cristã, afundando o cristianismo na religiosidade.

            O ser humano, sendo fraco, busca organizar meios para atingir o todo poderoso. Para isso, faz sacrifícios cada vez maiores a ponto de atingir o maior dos sacrifícios: o sacrifício humano. O novo testamento se preocupa, em sua maior parte, em mostrar o movimento da igreja sob a inspiração do Espírito Santo, entretanto, se não há um olhar para a fé, existindo somente um olhar religioso, a leitura principal e o acontecimento clímax do novo testamento acaba sendo a morte bruta de Jesus e todo o seu suplício. Essa é uma perversão feita pela religião ao sacrifício de Jesus.

            A religião entende que o homem não tem mais como suprir a falta cometida, tendo em vista que o único bem supremo que ele poderia oferecer, já está comprometido pela punição dada pelo pecado cometido. Não existindo na humanidade um só inocente cuja morte teria valor, a morte do filho de Deus, inocente, satisfaz o preço exigido pela culpa da humanidade. A morte de Jesus satisfaz não só o preço pelo pecado, como aplaca o medo do religioso diante da terrível justiça de Deus.

            A religião contribuiu também para fazer com que o ateísmo existencialista perceba a salvação como uma não-salvação. Se o pecado do ser humano suscitou a ira divina, e somente a morte do inocente filho de Deus pode aplacar essa ira, que motivos tem esse Deus para continuar mantendo o ser humano em um caminho para a morte? A conclusão que se chega, a partir do pensamento religioso, é que o homem não recebe a salvação. No lugar de ter uma salvação, o homem se torna um bloqueado, preso ao medo desse Deus exigente. O medo decorre da percepção religiosa de que Deus ainda não ficou totalmente satisfeito com a morte do seu filho, desta forma, o homem tem uma salvação que não o salva, antes parece que a salvação é para salvar Deus. A religião faz da transcendência de Deus um ar viciado, entregando-o a uma asfixia.

            A “satisfação” isola a morte de Jesus, fazendo dela um fato jurídico, uma exigência de Deus, diminuindo seu valor como ação reveladora. A morte do filho, como processo de revelação do Pai, faz da salvação algo concreto na vida do homem, fazendo com que o que agrade infinitamente a Deus não seja a compensação dos pecados, mas a libertação do desejo do homem.

Na revelação, Jesus Cristo passa a ser visto pelo ser humano como alguém que vai além do sacrifício e o leva a experimentar de um Deus benevolente.  Desta forma, torna-se possível enxergar a real face de Deus, totalmente contrária à face difundida pela religião, a face do amor de Deus.

Perceber este Deus benevolente nos faz agir de forma diferente, mudando nossa forma de apresentar Deus para os outros, de modo que, se enxergamos um Deus benevolente, o apresentaremos tal como ele é, anunciando-o de forma diferente ao que preceitua a teoria da “satisfação”. Passamos a anunciar um Deus com características contrárias a teoria da satisfação, que revela um Deus que ama o sofrimento e o sacrifício de seu filho.

Ao proclamarmos Deus como Deus de amor, libertamos o homem da alienação e da opressão de um deus falso, de quem devemos ter medo. O homem recebe a mensagem de forma correta e é liberto do julgo “satisfação”, não existindo mais a necessidade de se aplacar a ira deste Deus que exige um preço sangrento pelo pecado.

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