A partir de uma análise do neoliberalismo é possível perceber que seus conceitos são fortemente rechaçados pela visão do evangelho, onde o Cristo se coloca como servo de Iaweh e como homem da substituição-solidariedade. No neoliberalismo, evoca-se a pessoa do “EU” e cria-se a noção de individualismo, e não somente isso, mas de uma guerra, travada de forma a estabelecer o próprio crescimento. No contexto neoliberal, ninguém é instado a viver uma vida de troca, ou de substituição. A política neoliberal, ensina que você deve lutar para alcançar o seu lugar no espaço, e o individualismo é tido como algo normal.
Na teologia veterotestamentária, a figura de uma expiação se torna fragilizada tendo em vista que havia expiação sem que, necessariamente, existisse arrependimento. Desta forma, a expiação não se estendia para a vida, mas se limitava a um ritualismo frio e sem muito sentido. Anos mais tarde, o povo de Israel coloca em uma mesma linha a expiação a partir do sofrimento. Este sofrimento não é em causa própria, mas em substituição à outras pessoas, sejam elas conhecidas ou não.
Quando é feito o anúncio profético da vinda do Messias, já se vislumbra um futuro onde aquele ungido de Deus, serviria de forma completa, tanto ao Pai, que o enviou, quanto aos homens, para quem ele foi enviado. Em Jesus se insere esta espiação substitutiva, que espera, em contrapartida do ser humano, somente o arrependimento.
O tempo dos bodes que caminhavam pelo deserto, sem destino, carregando o peso de pecadores que não se arrependiam cessara. Inaugura-se o tempo do cordeiro, que leva os pecados da humanidade e espera que, ao aceitar este sacrifício, o ser humano consiga se entender como alguém que precisa buscar o arrependimento de seus delitos.
A ação de substituição outorga ao homem a capacidade de ter o Cristo se assemelhando a ele, ser humano, e, numa via de mão dupla, considera o ser humano como semelhante ao Cristo. O que antes era rico, agora se torna pobre, e os que antes eram pobres se tornam ricos, por serem considerados filhos de Deus.
Desta forma, Jesus, ao deixar seu lugar de origem, vindo ao encontro do homem, não se coloca em posição de destaque, antes, se coloca na posição do mesmo ser humano a quem quer substituir. Além disso, a obediência ao pai fecha o ciclo de esvaziamento, onde o filho se esvazia de si mesmo, cumprindo toda a ordem divina de vir a terra, encarnar, sofrer, amar até a morte de cruz. Não é uma ação somente de sofrer por amor a alguém, mas é ação de obediência incondicional e de sofrer no lugar de alguém. O ser humano, com suas contingencias, não conseguiria obedecer ao Eterno, da mesma forma que um ser humano, chamado Jesus, conseguiria. É possível que a tentativa de toda a humanidade, não cumprisse em sua totalidade as exigências de Iaweh, e, portanto, foi preciso que o filho fizesse essa parte pela humanidade.
Mesmo sendo assim uma substituirão que faz o que não é possível para a humanidade fazer, esta não fica inerte, aguardando as benesses da substituição. Existe no ser humano a responsabilidade pessoal, pois ao nos substituir, o Cristo fez mais do que ocupar nosso lugar e nos anular de uma responsabilidade. Mesmo que haja o lugar do Cristo, o substituto, não deixa de existir o lugar do ser humano, o substituído. Isso significa dizer que, ao nos salvar, o Cristo não nos retira o nosso papel na salvação. Ao contrário do que muitos postulam, não é um aceitar a salvação e não fazer nada, posto que tudo já foi feito. A substituição não é nunca foi aniquilação do ser substituído.
Já não é possível ver a substituição feita pelo Cristo, como algo que tem um poder meramente jurídico. A todo pecado, o Eterno exige uma satisfação apropriada. O homem pecou, mas não pode dar esta satisfação apropriada. Deus, por mais que ame ao ser humano, não pode ser injusto, perdoando-o sem que houvesse o cumprimento dessa satisfação. A solução está então, na substituição feita pelo Cristo. A humanidade não tem como pagar satisfatoriamente pelo seu pecado, mas o Deus-homem tem essa possibilidade.
Essa explicação, embora lógica, não se fundamenta plenamente, tendo em vista que o advento do pecado não causa somente incomodo na relação entre o Divino e o humano, mas causa também incômodos na relação entre o humano e outro humano, entre o humano e o cosmos. Nesse sentido, ao aceitar a substituição do Cristo, o ser humano precisa trazer de volta aos eixos anteriores as relações com o próximo e com a natureza criada.
O discurso teológico brasileiro, não enxerga, em sua grande maioria, esta forma de substituição de duas mãos. No Brasil há discursos teológicos que validam a desigualdade social. Nesses discursos, proferidos por religiosos descomprometidos com a verdade, teólogos de quinta categoria, de fundo de quintal é possível ouvir vozes que dizem “você caminha mal,quando não dá ao Senhor aquilo que é devido”. Desta forma, criam com seus discursos a ilusão de que cada um deve cuidar do seu próprio progresso, a despeito do fracasso de seu irmão.
Enquanto as contas bancárias das instituições religiosas, equivocadamente chamadas de Igrejas, crescem exponencialmente, a miséria de seus membros crescem na mesma proporção. A teologia espúria do “é dando que se recebe”, parece funcionar de fato para um lado só, o lado que dá a falsa esperança de uma vida melhor e recebe o dinheiro como paga para sua teologia-lixo.
Para conseguir este intento, em muitos casos, retorna-se a um processo de expiação, sem substituição e arrependimento. Sem substituição, pois se fossem dessa forma, exigiria aos alcançados pela substituição um posicionamento de equilíbrio com o Eterno, o próximo, consigo mesmo e com o cosmos. Sem arrependimento, pois não se cultiva a necessidade de reconhecer a possibilidade de não se ter como pagar ao Eterno pelos delitos, precisando para isso do Deus-homem como substituto.
Desta forma, não é mais o Cristo, o substituto, mas a instituição. Não é raro encontrar discursos que criam delimitações que já não são mais “antes e depois de Cristo”, mas as novas delimitações são “antes depois da igreja X”. Isto nos revela que a fé se tornou privatizada. Não é mais a fé no Cristo substituto, mas é a fé no cristo substituto da igreja X. Nesse sentido, a fé nesse cristo é paradoxal, já que se apresenta como solução de um só lugar, sendo esse substituto individualizado e não oferecido a todos os povos.
No contexto social brasileiro, é possível encontrar a corrupção, o tráfico de influencias, a desonestidade, o desvio criminoso de verbas, o superfaturamento, sem que sequer se saia do contexto da instituição chamada igreja. Desse modo, como será possível construir uma teologia brasileira que se digne a mostrar o verdadeiro teor da substituição de Jesus Cristo? Como fazer com que o ser humano perceba a igreja como representante do Cristo substituto, quando ela mesma age de forma individualista?
A resposta a essas perguntas deverá ser um dos desafios de todos os cristãos, quer sejam eles teólogos ou não. Se não existirem respostas a essa indagação, de nada adiantará anunciar um Deus que, diante de dúvidas tão contundentes, prefere permanecer calado.
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