Sim, eu sou pastor evangélico. Tenho muitos amigos pastores que dos quais posso tirar bons exemplos, mas não me atreveria, e sei que eles não gostariam que eu me atrevesse, a afirmar que eles são meu modelo de pastoreio.
Tenho como modelo de pastoreio o Cristo. Não outro modelo a ser seguido. Ele era homem e o “ser homem” é uma grande possibilidade para mim que quero tê-lo como modelo. Como homem, ele teve a oportunidade de mudar de ideia, esquecer um conceito da sua religião, para favorecer uma pessoa que carecia de sua atenção, amor e misericórdia. Quando ele se decide contrariar a lei do apedrejamento em caso de adultério, ele estava efetivamente deixando um conceito de sua religião (é bom lembrar que a religião de Jesus não era o Cristianismo, mas o Judaísmo), para simplesmente agir a favor do ser humano.
Pelo conceito da religião, ou para não ofender os religiosos, pela Lei do Deus de Israel, quem fosse pego em flagrante adultério deveria ser apedrejado até a morte. A lei é dura, mas é a lei. A lei não excluía um ou outro do apedrejamento. Os dois deveriam pagar com a vida. Os escribas e fariseus, entretanto, pervertem a lei, na intenção de testar o mestre e afirmam que a lei de Moisés manda que “as tais sejam apedrejadas”.
O que Jesus deveria ter feito era apedrejar até a morte. Seria assim um religioso guardião dos preceitos da lei, mesmo que esta estivesse pervertida pelos homens, todavia, ele coloca em cheque o posicionamento hipócrita daqueles homens, de modo que, diante da sua escrita a terra e de sua declaração “quem não tiver pecados, atire a primeira pedra”, cada um se retira.
Estou seguindo esse exemplo e pastoreio, que enxerga na fraqueza daquele ser aviltado e envergonhado, um campo fértil para laçar a semente da misericórdia que gera vida. Conheço os preceitos da fé, mas não ouso transformar esses preceitos em armas a tirar vidas.
Dois temas me chegaram aos meus olhos e ouvidos, e me fizeram refletir sobre eles. O primeiro, trata-se de padres acometidos da síndrome de Burnout que cometeram o suicídio. O clamor da religiosidade me fez perguntas do tipo: um suicida vai para o inferno? Pior que as perguntas, foram os que afirmaram. Quem tenta o suicídio, não pensa se vai para o inferno. Na realidade, ele já vive um inferno e enxerga na morte a oportunidade de se livrar dele.
Quem nunca passou por uma tentativa de suicídio diz com total tranquilidade que Deus mandará os suicidas para o inferno, pois só ele pode tirar a vida que ele mesmo Deus.
Precisamos refletir se de fato o suicida é quem tira a vida, ou se ela já foi tirada por alguém ou alguma coisa antes. Basta uma pesquisa simplória sobre a síndrome de Burnout, e veremos que a vida não foi tirada no ato do suicídio, sendo este somente uma extensão tardia de algo que já havia sido feito.
Sim, sou pastor evangélico, mas não compete a mim determinar quais atitudes que levando um ser humano desesperado a atentar contra a própria vida, o levarão para o inferno. Fui chamado para ser pastor por Jesus, que em sua graça é capaz de compreender o que para muitos outros seres humanos que julgam é incompreensível.
O outro tema, era o aborto. Pra começo de conversa, eu sou contra o aborto. Não haveria de ser diferente, pois como pastor, sigo em busca da preservação da vida. Entretanto, eu não vivo em um mundo formado só por pastores, padres, ou seja lá qual for o nome do sacerdócio religioso escolhido. O que eu faria se uma mulher me procurasse para um aconselhamento sobre fazer ou não um aborto? A resposta é tão obvia, que me cansa ter que respondê-la.
Havendo esta possibilidade, como líder religioso eu tentaria dissuadi-la desta vontade, propondo uma preservação da vida. Por outro lado, não acredito que se uma mulher procura ajuda diante deste tema, ela está contente em abortar. Não posso falar de experiências, pois não participo de uma gestação com todas as nuances que uma mulher participa, entretanto, imagino que toda mulher que procura o aborto como uma solução tem um dilema pela frente.
Durante os clamores contra o aborto, infelizmente não vi ninguém propondo uma discussão sobre o que fazer com os médicos que praticam aborto. Considerando que o aborto no Brasil é crime, os clamores contra o aborto não perceberam a lógica da decisão do STF. Não se estava nesta ação dando à mulher que abortou o direito de abortar, mas o que de fato o STF fez foi dizer “não prendam esses profissionais, pois até o terceiro mês pode sim fazer aborto”. O julgamento do STF absolveu os médicos e enfermeiros, e a população condenou a mulher que aborta.
Mas o que importa mesmo, em um país onde o aborto é crime, é condenar a mulher e absolver os médicos e enfermeiros que fazem o aborto, afinal, eles só estão trabalhando. E com esta visão “crítica” argumenta-se sobre a bactéria de marte, sobre o sexo sem preservativo, sobre “se tivesse fechado as pernas isso não aconteceria” e tantas outras “argumentações” diante de um problema muito maior.
Mostrem-me uma mulher rica, da high society brasileira que tenha morrido ou sofrido algum tipo de problema físico ao praticar o aborto e eu compreenderei que a morte ao abortar não escolhe classe social. Mostrem-me esta mesma garra de rechitégui facebookeana em favor do idoso, colocado no asilo como estorvo e eu pensarei da mesma forma. Mostrem-me um pouco de compaixão pelos moradores de rua, que comem comida do lixo e eu entenderei que esse grito contra o aborto não é somente a repetição de antigos conceitos religiosos do tipo “pela lei de Moisés, as tais devem ser apedrejadas”.
Não posso, por conta da minha fé, decidir sobre a vida de quem não compartilha a mesma visão de fé. A “lei de Moisés” não deve ser imposta aqueles que sequer conheceram Moisés. A “lei de Moisés” é aquela que mata os que cometem tais erros. A lei do Cristo é aquela que resgata os que cometem tais erros.
Sim, sou pastor evangélico e defenderei a vida, tanto daquela que tem 3 meses de gestação, quanto daquela que está gestando há três meses. Não fui chamado para ser pastor que aponta o inferno para quem faz alguma coisa contrária aos preceitos da Lei, mas para ser pastor, tal como o Cristo, que é capaz de ignorar a fúria conservadora dos escribas e fariseus, hipócritas, e finalizar a questão com um “quem te condenou? Nem eu te condeno, vai e não peques mais.”
Muito mais do que discutir sobre suicídio ou aborto, consequências de algo que já se instalou, precisamos discutir as causas, tratar de cada uma delas e ainda assim, se tudo continuar igual, olhar com o mesmo olhar de misericórdia que o Pastor dos pastores olhava para aqueles que diante dele, se encontravam em posição de infortúnio.
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