A Páscoa, a Ceia do senhor e o ritual performático.

pão-e-vinho pascoaNesta semana que antecede a Páscoa, tenho visto a preocupação de muitas pessoas. Alguns se antagonizam em função de coisas que deveriam ocupar o menor lugar neste momento.
Podemos ou não podemos comer carne? Podemos ou não podemos comer chocolates? De que forma devemos celebrar a páscoa? Faremos um musical de páscoa, ou usaremos desse feriadão para descansar um pouco?
Penso que o que precisamos avaliar em relação à páscoa, é se de fato ela produz em nós o sentimento de partilha, comunhão e liberdade. Não sendo dessa forma, comer ou não comer carne, chocolate, a forma da celebração ou do descanso, não tem a menor importância e se torna somente um ritual performático.
Estava lendo as recomendações de Paulo para a igreja de Corinto a respeito da Ceia do Senhor (1 Coríntios 11. 17-34). É bom que se diga que aquelas recomendação não se restringiram aquela igreja. Ela é atemporal e não está presa a uma latitude/longitude qualquer. Se a recomendação atinge um espaço/tempo tão distantes, é de se esperar que toda a problemática também atingem.
Paulo não louva a igreja, pois ela se junta para o pior. Juntavam-se como quem se junta como pessoas que desfrutam da mesma fé, união, comunhão, mas agiam como se assim não fossem. No lugar de comunhão, dissensões.
Bom saber que as dissensões revelam os aprovados. Vejo muitos sendo perseguidos na igreja, sem que exista de fato motivo algum, ou pelo menos que haja um motivo pelo qual o perseguidor nunca tenha cometido o mesmo erro, mas nem assim encontro justificativas. Paulo me dá essa justificativa: as falas dos provocadores das dissensões revelam a fala dos aprovados.
Sendo a Ceia um evento singular nos tempos apostólicos (os tempos verdadeiros, não os de hoje), ela não se restringia somente a um frio ritual. Era para ser o lugar de rememorar o sacrifício de Jesus, mas era para ser também o lugar da comunhão e da saciedade.
Paulo chama a atenção deles. Se a intenção da ceia não for completa, melhor que fiquem em casa.
Do alto de nossa percepção da ceia do Senhor, batemos nos nossos peitos doutrinários orgulhosos e dizemos: “não somo como esses aí de Corinto. Esperamos uns pelos outros.” Dizemos assim, nos referindo aquele momento ritualístico onde todos a um só tempo leva o pão, e depois o cálice a boca. Eis o nosso belo ritual performático.
Essa percepção distorcida, nos leva ao esquecimento de que enquanto nosso pedacinho de pão e cálice de vinho é sorvido, com nossas personas contritas, mostrando o quanto nos doemos pela morte do Cristo, algumas pessoas perto de nós acordará sem o pão e sem água. Vinho? Não. Eles se contentariam com água mesmo.
Da mesma forma como não era a primeira vez que Paulo abordava esse tema, temos a cada ciclo do memorial lido o mesmo texto e não aprendendo a mesma coisa.
O Mestre toma o pão e o vinho, dá graça, reparte com seus discípulos e pede para que eles façam o mesmo em memória dele.
Não imagino o mestre olhando para Judas, o traidor e dizendo: “tomai, comei, exceto você, seu traidor. Contigo não quero ter comunhão nesta hora.
Não me vem à mente também, uma manifestação do Cristo, olhando para Pedro e dizendo “Pedro, Pedro, Pedro, eu sei que você vai me negar. Você não é digno de ter comunhão comigo.”
Faltam-me elementos que me façam sequer supor que o mestre diria a Tomé: “isso não vale pra você, que duvidará da minha ressurreição, mesmo depois de ouvir que eu sou a ressurreição e a vida”.
Judas meteu a mão no prato com ele. Pedro e Tomé comeram, beberam e cantaram um hino.
Fazemos da Ceia do Senhor um mero ritual performático, quando consideramos o outro, indigno de participar das nossas celebrações, seja lá qual o motivo, mas nos achamos melhores do que aqueles que dela não participam.
Paulo chama de indignos aqueles que comem “não discernindo o corpo do Senhor” e afirma que aqueles que assim fazem, se auto-condenam, são fracos, doentes e dormem. Ele então finaliza que o julgamento não deve ser de nós para nós mesmos, mas do Senhor para nós.
Aprendemos a comer o pão, beber o vinho, a chorar nossas lágrimas, mas será que aprendemos que o julgamento de fato vem do Senhor?
Paulo recebeu do Senhor, o que também nos ensinou e nos ensina a cada reunião da Ceia do Senhor.
Acredito que está passando da hora de aprendermos o que foi ensinado, de modo que a Ceia cumpra de fato o papel de anunciar a morte do Senhor até que ele venha, e não seja somente um ritual performático.

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