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As marcas, dores e feridas da vida e sobre quem pode curá-las.

Às vezes eu penso. As vezes penso demais. As vezes penso que pensar exige certo esforço que por vezes me fazem cansar de pensar. Mas sigo pensando.

Estou pensando sobre uma pasteurização da fé, uma certa sacralidade sacal que nem mesmo o Cristo se preocupou de ter. Podendo ser exaltado por seus feitos, ora ele diz “não conte para ninguém”, ora ele diz “paga ao sacerdote o que diz a lei para pagar”.

Eu penso, sem o compromisso de estar certo, de deter a verdade, pois sei que Ele é a Verdade. Sobretudo Ele é a verdade misericordiosa e se no meu pensamento eu falhar,
Ele me dará oportunidade de refazer o percurso.

Estou pensando sobre marcas que a vida nos deixa. Por vezes são doloridas. Cicatrizes que insistem em purgar feridas que já deviam ter secado. Feridas que doem.

E para quem eu olho quando penso nessas marcas? Para o homem de quem se disse em profecia ser “o homem experimentado em dores”. Minha dor, mesmo sendo lancinante não é dor que passe despercebida a quem sabe o que é dor.

Me peguei pesando sobre a genealogia de Jesus, essas coisas da narrativa bíblica que deixamos de lado.

Há muito dado histórico e geográfico, que talvez nem seja possível comprovar, mas há algo que me chama a atenção: “Jessé gerou o rei Davi, e o rei Davi gerou a Salomão, daquela que foi mulher de Urias;”

Por que, depois de tanto tempo, o escritor do evangelho registra um fato que foi tão complexo na vida do grande rei David?

Um historiador diria que é só um registro de que o escritor de Mateus está apontando para uma ramificação da árvore genealógica que não é o tronco principal. Mas não quero pensar como historiador.

Penso que o texto está descrito assim com um propósito. E que me perdoem os exegetas, não estou fazendo exegese do texto, só estou pensando. Pensando que Jesus não é um Deus sacralizado, inatingível, que está separado das humanidades dos homens.

Penso que o escritor descreve marcas da vida. É como se ele quisesse dizer para quem lesse a história do cristo: “Esse Cristo, é aquele que vem de uma raiz de adultério misturado com assassinato premeditado. ”

E sabe em que essa marca na genealogia de Jesus o diminui, o desqualifica?

A resposta é tão simples, mesmo que haja uma horda de cristãos que vejam de outra forma.

As marcas na ancestralidade de Jesus só mostram o que ele é: Filho do homem, homem experimentado em dores, cabra marcado para morrer.

Penso que quando fazemos um esforço inútil de sacralizar, por nossas medidas, aquele que não é possível mensurar, o que de fato queremos é que Ele não enxergue nossas marcas.

Penso que de fato são nossas marcas, tortuosas marcas, feridas doloridas, com secreções da vivência, que nos aproximam do Mestre, do Médico dos médicos, do único homem que pode tocar nossas marcas, nossas feridas e nos curar por inteiro.

Os saudáveis, sem dores, sem marcas, continuarão distantes desse Deus chamado Jesus, pois ele é aquele que tomou sobre ele nossas enfermidades e quem não as tem, dele não precisa.

Isaías 53:3-5
Mateus 1:6

Apocalipse de João e Marisa Monte

Num êxtase, exilado na ilha de Pátmos, ele vê um lugar que difere do lugar onde vive. Seu lugar é de dor, dúvida e perseguição.

Idoso e cansado, é natural que deseje um lugar calmo, um vilarejo, onde de sua casa, possa ver o horizonte.

Ele vê o novo céu, a nova terra, lugar onde não há divisões, onde o mar deixa de existir e derruba as fronteiras. Um lugar desses, não merece outro nome: paraíso, um vilarejo onde areja um vento bom.

Lá vivem os heróis. Os que um dia que deixaram os lares de suas mães, para que ao longo do caminho, sinalizassem com suas vidas o Reino de Deus.

Neste vilarejo, lugar de aconchego, há casas cujos tetos são brancos como as vestes brancas de uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas.

Toda gente cabe lá, Palestina ou Sangri-lá.

O tempo é o Eterno, pois lá o tempo espera. Lá é sempre primavera, estação do renascimento, da nova vida. Lugar que não necessita de sol nem lua para que resplandeça. O Cordeiro a ilumina.

Suas portas e janelas estão sempre abertas. A cidade está adornada com flores que enfeitam caminhos, vestidos e destinos.

Lá existe o verdadeiro amor para quem entrar na cidade.

Ele tanto pode andar, quanto voar e da varanda de sua casa ouve uma música que poderia ser mais ou menos assim:

Há um VILAREJO[1] ali

Onde areja um vento bom
Na varanda quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão

Terra de heróis, lares de mãe
Paraíso se mudou para lá
Por cima das casas cal

Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonhos semeando o mundo real
Toda a gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá

Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa

Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas pão

Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos
Os destinos e essa canção
Tem um verdadeiro amor
Para quando você for.

Eu sei que eu posso estar sonhando, mas eu sei que eu não sonho sozinho.

[1] Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Pedro Baby

Narrativas mitológicas na Bíblia Hebraica

PLANO DE AULA

Curso de extensão: Narrativas mitológicas na Bíblia Hebraica

Aula 01/10 – Introdução à Mitologia de Gênesis

Unidade Curricular: Teologia

Carga Horária: 4 horas

Docente responsável: Ronildo Brites

Objetivos Gerais:

Definir e diferenciar mito de mentira.

Específicos:

Diferenciar mito no senso comum e mito como elemento de formação histórico-cultural.  Compreender os mitos na narrativa bíblica dos primeiros capítulos de Gênesis.

Conteúdo:

1.       O que é um mito?

a.       Mito e história.

b.      Mito e lugar social.

c.       Mito da criação

d.      Adão, Eva e Jardim do Édem como narrativa mitológica da perfeição.

Método:

1.       Discussão sobre conteúdo do filme Narradores de Javé.

2.       Aula expositiva

Recursos didáticos:

1.       Apresentação de filme “Narradores de Javé.

2.       Apresentação de texto e/ou Slide

Avaliação:

Dinâmica da descrição da história de vida de um dos alunos, reproduzida por vários representantes da turma.

Roteiro da aula

Exibição do filme “Narradores de Javé”. – Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Trm-CyihYs8&t=729s

O que é um mito?

Com a mente primitiva, o Homem sente a necessidade de encontrar explicações em uma natureza totalmente desconhecida. Essas explicações recebem a denominação de Mitos. Trata-se de uma narrativa de caráter simbólico relacionada a uma determinada cultura, que procura dar razão aquilo que é desconhecido, explicando a origem de todas as coisas. Nesse sentido, mito não é o mesmo que mentira, como compreende o senso comum.

Mito e história

Antes mesmo de se pensar em codificar a linguagem falada, a história já era contada de geração em geração. Esta forma de contar a história está recheada de narrativas mitológicas, onde o ser humano, cujas mentes primitivas não conseguiam explicar cientificamente, dá razão aos seus questionamentos,.

Mito e lugar social

A construção mítica de qualquer povo, aponta também para seu lugar social. As sociedades, originalmente formadas por pequenos clãs, se estruturaram em sociedades patriarcais, estabelecendo uma construção social, com registros puramente mitológicos. Esta estrutura de formação social está permeada em todo o texto sagrado de Judeus e Cristãos, bem como em outras culturas fundamentadas em suas religiões.

Mito da criação

Quando a narrativa bíblica aponta para a criação do ser Humano, feito pelas mãos de uma divindade suprema, que põe ordem ao caos, ela não está simplesmente criando uma divisão entre criacionismo e evolucionismo. O que de fato está acontecendo na narrativa bíblica, é a única explicação que o ser humano tem para estabelecer as origens de sua existência. O mito da criação aponta não para a ciência, mas para a fé de um povo no Ser a quem creditam suas origens.

Adão, Eva e Jardim do Édem como narrativa mitológica da perfeição.

A redação intencional do texto  de Gênesis, sobretudo seus 3 primeiros capítulos, aponta para um retorno a um momento perfeito. É a percepção de quem não vive mais as condições perfeitas de um lugar original, pensando que, se não tivessem chegado onde chegaram, estariam vivendo em seu lugar social original: o Paraíso.

O ser humano conta de geração em geração os feitos de seus antepassados, até que chega a um momento histórico onde sente a necessidade de registrar esses feitos.

Desta forma, a redação das narrativas bíblicas da criação do mundo, dos primeiros habitantes é um trabalho intencional, com a perspectiva de enaltecer os feitos de um determinado povo.

Narrativas bíblicas e Narradores de Javé.

A história do filme “Os narradores de Javé” se desenvolve sob a premissa dos mitos fundadores e da formação de identidades culturais. Há conflitos de versões, que derruba a possibilidade de uma verdade absoluta, mostrando como os povos criam suas imagens e mitos sem o compromisso rigoroso com a ciência e a objetividade.

“Uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado no escrito de forma melhor, para que o povo creia no acontecido” Antonio Biá – Narradores de Javé.

Ensinar para a vida, na vida e com a vida.

Em um dia desses, em que a vida nos proporciona um refrigério, encontrei com um amigo que não via há muito tempo. Como de costume, perguntas sobre família, filhos, realizações, trabalhos, essas coisas que às vezes perguntamos só para ter o que falar. Entretanto, houve uma pergunta que foi bem interessante. Ele me perguntou:  “por que você gosta tanto de ensinar?”

Minha resposta curta, o deixou meio sem palavras e ele mudou de assunto. Dias depois ele pediu-me para falar mais sobre minha resposta.  Aqui vai um pouco do que disse para ele.

Gosto de ensinar, porque vou morrer em breve.

Parece não haver nenhuma relação, mas pare e pense por um momento. Para onde vai todo o conhecimento que acumulamos, quando nosso coração para de bater?

Gosto de ensinar, porque para o lugar para onde vou, a partir dos pressupostos da fé que abracei, não é lugar de aprendizado. Lá, segundo o apóstolo Paulo, nós o conheceremos como Ele é. Todas as coisas antes vistas de forma distorcidas serão vistas de forma clara e sem dúvidas.
Ensinar é de fato um grande aprendizado, mas se há o que ensinar, que se ensine aqui, neste plano.

Gosto de ensinar, pois mesmo que não ponham em prática todos os meus ensinamentos, ou que não se ponha em prática um sequer, tenho a certeza de que compartilhei algo com alguma pessoa. Qual o sentido de estar nesta terra se não for para compartilhar?

Gostei de ter ensinado aos filhos, Helen Brites e Michel Brites, com meus acertos e com meus erros. Os acertos, disse à eles certa vez, são para serem imitados, os erros, para serem perdoados, e lembrados a título de experiência. Olhar para os erros e dizer: “tentarei não errar desta forma”.

Gostei de ter ensinado pessoas a conhecerem o que eu conheço. Gostei mais ainda, quando ao ensinar elas discordaram de mim. Rendeu-nos grandes diálogos enriquecedores da vida.  No fim de tudo, receber como resposta um “discordo de você, mas foi muito bom dialogar contigo” foi a melhore recompensa pelo tempo investido.

Gostei de ter ensinado à Lya Brites sobre como eu sou: simplesmente complexo. O paradoxo da minha existência, com certeza produz nela a vontade de sempre querer me conhecer e me oportuniza sempre poder me descrever como ser que sou.

Goste de ter ensinado durante os sermões que prediquei, que o Evangelho é revolucionário e libertador, e o que for diferente disso é o que o apóstolo Paulo chama de anátema.

Ensinamos para a vida, na vida e com a vida, pois no lugar da morte, ou do pós vida, seja lá como você acredita não há como ensinar a vida.
Por isso, seja lá o que você tiver para ensinar, ensine.

Sabe aquela receita, modificada por você e que adquiriu um sabor todo especial? Ensine. Provavelmente o resultado não será o mesmo e você conhecerá uma nova receita, um novo sabor, um novo aprendizado.

Sabe Teologia, daquela que gera vida, que ensina que o Eterno teve que se esvaziar de si mesmo para gerar vida? Ensine e você estará gerando vidas que gerarão vidas.

Gosta de política, da boa política? Ensine sobre ela, afinal, não é porque os políticos são ruins que a política também tem que ser.

Você sabe assobiar com os dedos na boca? (coisa que não sei até hoje), ensine. Parece bobeira, mas alguém se lembrará de você por detalhes como esses.

Soltar pipa, jogar bola, rodar pião, usar um aplicativo, ter prazer em ler, em sentir, em ver, em viver. Tudo isso pode ser uma grande fonte de ensino e aprendizado.

Você não acredita na vida pós-morte? Não tem problema. Alguém ficará na terra lembrando a todos o que aprendeu contigo.

Quando você chegar diante do Eterno, a quem chamo Deus, e respeito a forma como você o chama, com certeza Ele estará orgulhoso de ter colocado você no mundo para fazer diferença na vida de alguém.

A lei de Moisés, que mata e a lei do Cristo que resgata.

leiSim, eu sou pastor evangélico. Tenho muitos amigos pastores que dos quais posso tirar bons exemplos, mas não me atreveria, e sei que eles não gostariam que eu me atrevesse, a afirmar que eles são meu modelo de pastoreio.

Tenho como modelo de pastoreio o Cristo. Não outro modelo a ser seguido. Ele era homem e o “ser homem” é uma grande possibilidade para mim que quero tê-lo como modelo. Como homem, ele teve a oportunidade de mudar de ideia, esquecer um conceito da sua religião, para favorecer uma pessoa que carecia de sua atenção, amor e misericórdia. Quando ele se decide contrariar a lei do apedrejamento em caso de adultério, ele estava efetivamente deixando um conceito de sua religião (é bom lembrar que a religião de Jesus não era o Cristianismo, mas o Judaísmo), para simplesmente agir a favor do ser humano.

Pelo conceito da religião, ou para não ofender os religiosos, pela Lei do Deus de Israel, quem fosse pego em flagrante adultério deveria ser apedrejado até a morte. A lei é dura, mas é a lei. A lei não excluía um ou outro do apedrejamento. Os dois deveriam pagar com a vida. Os escribas e fariseus, entretanto, pervertem a lei, na intenção de testar o mestre e afirmam que a lei de Moisés manda que “as tais sejam apedrejadas”.

O que Jesus deveria ter feito era apedrejar até a morte. Seria assim um religioso guardião dos preceitos da lei, mesmo que esta estivesse pervertida pelos homens, todavia, ele coloca em cheque o posicionamento hipócrita daqueles homens, de modo que, diante da sua escrita a terra e de sua declaração “quem não tiver pecados, atire a primeira pedra”, cada um se retira.

Estou seguindo esse exemplo e pastoreio, que enxerga na fraqueza daquele ser aviltado e envergonhado, um campo fértil para laçar a semente da misericórdia que gera vida. Conheço os preceitos da fé, mas não ouso transformar esses preceitos em armas a tirar vidas.

Dois temas me chegaram aos meus olhos e ouvidos, e me fizeram refletir sobre eles. O primeiro, trata-se de padres acometidos da síndrome de Burnout que cometeram o suicídio. O clamor da religiosidade me fez perguntas do tipo: um suicida vai para o inferno? Pior que as perguntas, foram os que afirmaram. Quem tenta o suicídio, não pensa se vai para o inferno. Na realidade, ele já vive um inferno e enxerga na morte a oportunidade de se livrar dele.

Quem nunca passou por uma tentativa de suicídio diz com total tranquilidade que Deus mandará os suicidas para o inferno, pois só ele pode tirar a vida que ele mesmo Deus.

Precisamos refletir se de fato o suicida é quem tira a vida, ou se ela já foi tirada por alguém ou alguma coisa antes. Basta uma pesquisa simplória sobre a síndrome de Burnout, e veremos que a vida não foi tirada no ato do suicídio, sendo este somente uma extensão tardia de algo que já havia sido feito.

Sim, sou pastor evangélico, mas não compete a mim determinar quais atitudes que levando um ser humano desesperado a atentar contra a própria vida, o levarão para o inferno. Fui chamado para ser pastor por Jesus, que em sua graça é capaz de compreender o que para muitos outros seres humanos que julgam é incompreensível.

O outro tema, era o aborto. Pra começo de conversa, eu sou contra o aborto. Não haveria de ser diferente, pois como pastor, sigo em busca da preservação da vida. Entretanto, eu não vivo em um mundo formado só por pastores, padres, ou seja lá qual for o nome do sacerdócio religioso escolhido. O que eu faria se uma mulher me procurasse para um aconselhamento sobre fazer ou não um aborto? A resposta é tão obvia, que me cansa ter que respondê-la.

Havendo esta possibilidade, como líder religioso eu tentaria dissuadi-la desta vontade, propondo uma preservação da vida. Por outro lado, não acredito que se uma mulher procura ajuda diante deste tema, ela está contente em abortar. Não posso falar de experiências, pois não participo de uma gestação com todas as nuances que uma mulher participa, entretanto, imagino que toda mulher que procura o aborto como uma solução tem um dilema pela frente.

Durante os clamores contra o aborto, infelizmente não vi ninguém propondo uma discussão sobre o que fazer com os médicos que praticam aborto. Considerando que o aborto no Brasil é crime, os clamores contra o aborto não perceberam a lógica da decisão do STF. Não se estava nesta ação dando à mulher que abortou o direito de abortar, mas o que de fato o STF fez foi dizer “não prendam esses profissionais, pois até o terceiro mês pode sim fazer aborto”. O julgamento do STF absolveu os médicos e enfermeiros, e a população condenou a mulher que aborta.

Mas o que importa mesmo, em um país onde o aborto é crime, é condenar a mulher e absolver os médicos e enfermeiros que fazem o aborto, afinal, eles só estão trabalhando. E com esta visão “crítica” argumenta-se sobre a bactéria de marte, sobre o sexo sem preservativo, sobre “se tivesse fechado as pernas isso não aconteceria” e tantas outras “argumentações” diante de um problema muito maior.

Mostrem-me uma mulher rica, da high society brasileira que tenha morrido ou sofrido algum tipo de problema físico ao praticar o aborto e eu compreenderei que a morte ao abortar não escolhe classe social. Mostrem-me esta mesma garra de rechitégui facebookeana em favor do idoso, colocado no asilo como estorvo e eu pensarei da mesma forma. Mostrem-me um pouco de compaixão pelos moradores de rua, que comem comida do lixo e eu entenderei que esse grito contra o aborto não é somente a repetição de antigos conceitos religiosos do tipo “pela lei de Moisés, as tais devem ser apedrejadas”.

Não posso, por conta da minha fé, decidir sobre a vida de quem não compartilha a mesma visão de fé. A “lei de Moisés” não deve ser imposta aqueles que sequer conheceram Moisés. A “lei de Moisés” é aquela que mata os que cometem tais erros. A lei do Cristo é aquela que resgata os que cometem tais erros.

Sim, sou pastor evangélico e defenderei a vida, tanto daquela que tem 3 meses de gestação, quanto daquela que está gestando há três meses. Não fui chamado para ser pastor que aponta o inferno para quem faz alguma coisa contrária aos preceitos da Lei, mas para ser pastor, tal como o Cristo, que é capaz de ignorar a fúria conservadora dos escribas e fariseus, hipócritas, e finalizar a questão com um “quem te condenou? Nem eu te condeno, vai e não peques mais.”

Muito mais do que discutir sobre suicídio ou aborto, consequências de algo que já se instalou, precisamos discutir as causas, tratar de cada uma delas e ainda assim, se tudo continuar igual, olhar com o mesmo olhar de misericórdia que o Pastor dos pastores olhava para aqueles que diante dele, se encontravam em posição de infortúnio.

O samaritano misericordioso e os religiosos conhecedores da lei.

bomsamaritanoTenho pensado um pouco sobre o que chamamos de “a parábola do bom samaritano”. Refiro-me sobre “o que chamamos”, pois de fato, no texto não há nenhum apelo para a apresentação de um ser que seja bom. É mais correto pensar que o título é devido à traduções e tradições do que ao texto em sua versão original – ou pelo menos da cópia, da cópia, da cópia…. da versão original.

Considerando que Jesus evita o título de bom, é provável que a expressão bom samaritano não corresponda à teologia Lucana. Não seria muito acertado pensar que Lucas descreva o samaritano como bom em um momento e em outro descreve Jesus evitando ser chamado de bom pelo jovem rico.

Sendo assim, podemos considerar como mais próximo da realidade e da teologia de Lucas, a expressão “o samaritano misericordioso”. Podemos inferir isso a partir da declaração do perito da lei –  “aquele que teve misericórdia dele” – , quando inquerido por Jesus de Nazaré sobre quem ele achava que era o mais próximo do homem que sofreu na mão dos salteadores.

Mesmo sendo o título inadequado a partir da teologia lucana, podemos pensar nas ações do samaritano, sem nos prendermos aos detalhes da tradição e das traduções do texto sagrado. Não é quem o samaritano é, mas o que o samaritano fez que configura de fato o mais importante na parábola.

Além disso, do que foi feito pelo samaritano, há outro ponto importante na parábola. Trata-se do que não foi feito por aqueles que, sendo religiosos, e, possivelmente, da mesma religião que o homem atacado pelos salteadores.

Outro ponto importante, por vezes pouco observado é a condição em que a vítima foi deixada. Os algozes o deixaram nu. No contexto religioso atual, nada significa, mas no contexto religioso do tempo da parábola, significa que aquela vítima havia perdido sua identidade de grupo. Não se poderia dizer se era de alguma classe de religiosa. Entretanto, a contradição de um samaritano cuidando de alguém que não era possível identificar, nos remete a uma probabilidade de ser a vítima um judeu. Nesse sentido, a ação dos religiosos é ainda pior, pois se não podiam identificar a classe religiosa da vítima podiam sim reconhecê-lo como um irmão judeu. Não podendo reconhecer se o moribundo era da sua classe, não justificaria deixa-lo da forma que o encontraram.

Não é difícil perceber a responsabilidade assumida e logo depois desprezada pelas duas classes de homens que antecederam ao samaritano misericordioso. Nem o sacerdote, nem o levita passaram por um lugar onde a visão do moribundo fosse impossível. O texto diz claramente que eles seguiram seus caminhos após terem feito contato visual como o homem abatido.

Nisto reside o que houve de pior na ação dos dois religiosos. Viram a necessidade, e julgaram que não era problema deles, deixando o necessitado na mesma situação anterior. Não tivessem visto o homem e suas responsabilidades não seriam observadas pelo redator do texto.

            O samaritano toma atitudes para as quais há um destaque no texto lucano. Primeiro, foi tocado internamente – “moveu-se de íntima compaixão” – vendo-o, não ficou só na observação, mas deixou-se ser afetado pela dor daquela vítima. Em seguida, gastou de seus apetrechos de viagem – azeite e vinho – para amenizar a dor de quem sequer conhecia. Logo depois disso, privou-se de conforto para colocar o objeto de sua compaixão em sua cavalgadura.

            Tivesse ele tomado somente estas atitudes e já seria suficiente para diferenciá-lo dos religiosos. Mas ele foi além. Levou-o para uma estalagem, a mesma que ele mesmo passou a noite, não criando dessa forma uma casta diferente. No dia seguinte pagou as despesas e se comprometeu a restituir o que fosse gasto a mais, quando retornasse.

            Enquanto o certo doutor queria somente testar Jesus, fingindo não saber quem era o seu próximo, o mestre deu uma lição de que o mais importante não era saber a lei, mas identificar o próximo e suas necessidades.

            Quem está de fato preocupado com as necessidades do próximo, não se prende aos rudimentos da lei, antes age, suprindo as necessidades diárias do próximo se comprometendo em investir um pouco mais, caso haja necessidade.

Cidadania: eu pratico, e você?

O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração,
A pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A pôr em liberdade os oprimidos, A anunciar o ano aceitável do Senhor. Lucas 4:18,19

Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Efésios 2:19

Cidadania: eu pratico, e você?[1]

O conceito de cidadania surge no período clássico da Grécia, e fazia referência aos direitos relativos ao cidadão. Cidadão é o indivíduo que vivia nas polis (cidades).

Na Grécia, poucos podiam ter o título de cidadão. Somente alguns homens. Mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não podiam ser cidadãos. Mulheres não eram consideradas seres pensantes. Escravos não eram considerados seres humanos. Os estrangeiros não podiam ser cidadãos por serem estrangeiros.

A cidadania na Grécia é uma conquista que diz respeito à participação do cidadão ao processo político e governamental das cidades. Nesse sentido, quem era cidadão podia influir nas decisões políticas das cidades.

A cidadania é formadora de identidades. Nos primeiros passos da igreja cristã, houve uma crise eclesiástica, criticada por Paulo e consistia no partidarismo cristão que se formava. Os cristãos estavam se dividindo e uns se diziam de Paulo, outros de Apolo, formando assim uma identidade que os particularizava. Toda identidade é por si excludente de outras identidades.

A cidadania surge como conceito para justificar uma identidade, ou uma identificação de alguém com um grupo específico. Viver no coletivo da cidade exige de quem vive que se tenha uma cidadania.

A princípio a cidadania exclui quem não faz parte do grupo de cidadãos. A cidadania grega excluía não só quem era grego (mulheres, escravos, estrangeiros), mas excluía os outros povos. Era cidadão das pólis (cidades), quem habitava as polis.

A cidadania sob o ponto de vista grego é constituída a partir da democracia (δημοκρατία). Sendo a democracia o governo do povo, o cidadão era quem podia exercer a democracia. Não é possível desvincular a cidadania grega da democracia grega.

Avancemos um pouco no futuro e vamos encontrar um outro tipo de percepção do cidadão: A revolução francesa. Na revolução francesa há uma modificação do pensamento a respeito do cidadão. Ao contrário da excludente cidadania grega, a revolução francesa apregoa seu tríplice lema: “Liberté, Egalité, Fraternité”. (Liberdade, Igualdade, Fraternidade).

Deste modo, para os franceses, o pensamento de Liberdade Igualdade e fraternidade, modifica a forma de se enxergar o cidadão e a sua cidadania.

Um filósofo muito importante para o pensamento sobre o cidadão em sociedade foi Jean Jaques Rosseau. Filósofo suíço, Rosseau afirmava que o homem não era mau em si mesmo. Não acreditava que o mal estava no pecado original, mas na vida em sociedade. Era a sociedade que transformava homens bons em homens maus. Logo, o que precisava ser corrigido não era o homem, mas a sociedade. Esta correção, segundo Rosseau deveria ser feito através da política. Rosseau acreditava ser possível estabelecer uma sociedade ideal, sendo sua assim sua ideologia uma grande influência na concepção da revolução francesa.

Além da Liberdade, igualdade e fraternidade, a revolução francesa traz consigo a declaração de direitos do homem e do cidadão, que define direitos individuais e coletivos do Homem, não só em território francês, mas em qualquer lugar e em qualquer tempo.

No período colonial, das grandes navegações, a cidadania está restrita aos homens bons. Homem bom, no período colonial, fora do Brasil significa ser branco e dono de terras.

No Brasil, essa característica de cidadania para apenas homens bons, faz com que a maior parte dos habitantes do Brasil e no Brasil não possa ser cidadãos. Quem não era “homem bom”, não era cidadão e não tinha os direitos que um cidadão podia ter.

No Brasil colônia, isso gera outro problema, pois se a cidadania está restrita a poucos homens, a lei também não alcança a todos os homens.

Para os cidadãos, as leis não se aplicavam, pois ser cidadão era em última análise ser um homem bom, e um homem bom não podia ser atingido pela lei.

Essa cidadania brasileira excluía os pobres, os nativos, os escravos e as mulheres. Logo, nem todos eram capazes de ter o título de cidadão. Sendo assim, nem todos podiam ter direitos de cidadão.

Os escravos, não possuíam o direito a cidadania. Mesmo com o advento da Lei áurea, e conseqüentemente, o fim da escravidão, o negro não podia ser cidadão.

A lei que libertou os escravos traz consigo um grande problema. A liberdade conseguida, não era uma conquista, mas uma outorga. Dizendo de outra forma, não se era livre por se ter conquistado a liberdade, mas porque alguém (Estado) decidiu que os escravos seriam livres.

Este tipo de ação do Estado, também acontece com todos os direitos sociais adquiridos por força de lei. Em última instancia, o que deveria ser uma conquista, de fato não é, pois é limitado a quem outorgou esta “conquista” por meio de uma lei.

Somente na constituição de 1934, as mulheres conseguem o direito de votar. Em termos históricos, somente ontem. Esta ação por força de lei coloca a mulher em posição de cidadã brasileira.

Hoje a cidadania é mais que direito de votar. Cidadania consiste em direitos sociais, proteção ao idoso, adolescente, criança. Não é apenas direito de liberdade de expressão, mas pluripartidarismo, direito a lei, liberdade de imprensa, direitos iguais entre as pessoas, direito a saúde. Não ter um sistema de saúde decente fere a minha cidadania.

Influenciada pela experiência da declaração dos direitos do homem e do cidadão, os países aliados, após o término da segunda guerra mundial, decidem promulgar a declaração universal dos direitos Humanos. Para fazer parte da ONU, um país tem que ser signatário à declaração universal dos direitos humanos.

Em seu primeiro artigo, a DUDH declara “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” E em seu terceiro artigo diz “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”

No artigo vigésimo quinto está escrito que “1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2.A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.”

No Artigo vigésimo sexto assegura que “1.Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

Aqui temos instaurado um problema de cidadania:

Países como a China, Arábia Saudita e Brasil, signatários da declaração de direitos humanos, concordam que todos são iguais. O que de fato não é. Não há saúde bem estabelecida, educação fundamental de qualidade, segurança, entre outros, logo, não estamos bem enquadrados nas diretrizes de cidadãos estipulado pela declaração dos direitos humanos.

Para ser um cidadão de acordo com as diretrizes estipuladas na declaração dos direitos humanos é preciso respeitar o que lá está escrito. É ai que precisamos entender bem o que é ser um cidadão.

Como cidadão eu posso ter a opinião sobre tudo e sobre todos, desde que eu não fira os direitos fundamentais descritos lá na declaração universal dos direito humanos.

Pensando sobre o que é ser cidadão, sob a perspectiva da declaração dos direito humanos, precisamos refletir sobre dois aspectos:

  1. Eu sou cidadão em toda plenitude?
  2. Eu pratico a cidadania?

De porte dessas perguntas, como cristãos, precisamos pensar no dualismo que por vezes criamos. Nos auto-intitulamos cidadãos dos céus, o que de fato não é um problema em si. E nos classificamos também como cidadãos brasileiros, e por análise da declaração dos direitos humanos, cidadãos do mundo. Mas quando observamos a saúde, educação, segurança, entre outros direitos do ser humano, sobretudo aqui no nosso país, mas não só aqui, essa dualidade pode ser demasiadamente ruim.

Como cidadãos dos céus, não temos problemas com nada do que descreve a DUDH. No céu não há problema com os hospitais, porque lá não haverá morte, portanto, não haverá doença. No céu não haverá problema de educação, pois conheceremos o que Deus conhece. No céu não haverá problema de transportes, pois um corpo glorificado não está restrito da mesma forma como um coro carnal.

Mas esse mesmo cidadão dos céus é cidadão da terra. Da terra injusta, da terra, sem educação da terra, sem saúde, da terra violenta.

Se olharmos para o modelo de cidadão descrito por Jesus no sermão da montanha. Talvez tenhamos uma perspectiva diferenciada sobre a questão dualista cidadão deste mundo e cidadão dos céus.

Pensemos então em cidadão do Reino de Deus:

No sermão do monte, os pobres de espírito são considerados felizes. A palavra pobre no sermão da montanha se torna uma matiz moral. Esse ser pobre de espírito é aquele que está disponível para o Reino de Deus. Estar disponível para o reino de Deus é estar disponível para um reino de Justiça, onde os direitos fundamentais são respeitados. Ser pobre de espírito, não significa não ter dinheiro. Deus dedica o seu Reino aos pobres de espírito, e essa preferência pelos pequenos é a marca da liberalidade soberana de Deus. É um convite para esperar tudo da graça de Deus pelos infelizes deste mundo, sejam eles ricos ou pobres, contanto que sejam pobres de espírito.

Quando o sermão chama de felizes os pobres de espírito e direciona a eles o Reino dos céus, podemos perceber implicitamente uma questão maior do que igualdade. Temos uma questão de justiça.

Praticar a cidadania sob a ótica do Reino dos céus é praticar uma cidadania de justiça e não de igualdade. Sendo assim, a perspectiva da cidadania do Reino dos céus é superior a qualquer conceito de cidadania.

E de novo temos duas perspectivas-escolhas:

  1. Espero que o reino dos céus seja estabelecido nos céus, onde não há injustiça.
  2. Estabeleço a justiça do reino dos céus aqui na terra.

Dependendo da escolha que eu fizer, precisarei assumir as conseqüências da escolha.

A primeira chama-se morte, ou em alguns casos arrebatamento. Cessado esta vida, seremos introduzidos no ambiente dos céus, onde não há injustiça.

A segunda chama-se pratica da cidadania, mas esta exige que façamos aqui na terra, enquanto vivos, lutando pelos nossos direitos e cumprindo nossos deveres como cidadãos.

Talvez seja a segunda parte desta minha última frase que empaca a questão da cidadania. Para ser cidadão pleno, precisamos ter garantidos os nossos direitos mais fundamentais, mas precisamos cumprir com nossos deveres.

Queremos nossos direitos, mas por vezes, tememos nossos deveres.

Tal como a cidadania terrena, a cidadania do Reino dos céus tem seus direitos e seus deveres. O cristão que olha para a injustiça social, a carência do básico para o ser humano viver e não acha que isso precisa ser mudado, precisa rever seus conceitos sobre o ser cristão.

Que tipo de cidadania, estamos vivendo como cristãos? Que tipo de influência somos no mundo a partir daquilo que fazemos para que a justiça social deixe de ser um incomodo que ainda levante questionamento do tipo: “será que a prática da justiça social não nos equipara a comunistas, marxistas e outras ideologias?”

Não há como ser cidadão do Reino de Deus, nos esquivando de ser cidadão do reino deste mundo.

Como cristãos, precisamos avaliar até que ponto nossa relação com a humanidade é suficientemente eficaz a ponto de lhe assegurar direitos básicos de cidadania. Deixar que a cidadania seja assegurada por força da lei, não é conquista, é limitação desta cidadania.

Se continuarmos vivendo em um dualismo mundo versus igreja, céu versus terra, material versus espiritual, e continuarmos nos abstendo de ter uma participação efetiva na vida social, econômica e política do país, continuaremos a ter uma cidadania de segunda categoria, gerenciada por alguém que nos concedeu essa cidadania e não por termos uma cidadania fruto de uma conquista.

O que podemos fazer então? Que atitudes podemos tomar para garantir o básico para o ser humano que interage conosco. Não podemos fazer muito, é certo, mas podemos fazer a nossa parte.

Quero compartilhar com vocês, um texto, de uma pessoa que resolveu fazer a sua parte diante de uma carência de algo que é fundamental par ao ser humano que é o bem estar na alimentação. Essa pessoa não resolveu a questão da fome do mundo inteiro, sequer da fome da vida toda de uma pessoa, mas ela fez o que estava ao seu alcance, no momento da necessidade. O texto chama-se:

Eucaristia com empadão e refresco de maracujá

No posto de gasolina,
um desvalido com fome
me pede respeitosamente
que lhe arrume algo para comer.
Não pediu-me dinheiro.
Sentindo fome
Me disse: “por favor, pode me comprar um pão?”
Eu que já havia saciado a fome matinal
vi perto de nós um vendedor:
“Um salgado e um refresco por um Real”.
Aproximei-me do vendedor,
comprei o lanche em dobro.
O moço, mesmo com muita fome
antecipou-se a dizer:
“Um só moço, já mata minha fome”.
Insistir por dois.
Levei o moço para uma mesinha,
forrei alguns guardanapos
e arrumei o café da manhã
em forma de salgado e suco.
Quantas vezes temos isso
e não percebemos o valor?
Assentado a mesa,
antes de comer fiz uma proposta:
– Vamos agradecer a Deus
pelo alimento à nossa disposição?
Timido, ele insiste em dizer
que não sabia o que era orar.
Sem desistir o convidei
A repetir comigo algumas palavras de Agradecimento.
Ele o fez e no fim de tudo
começou a chorar.
E disse em meio a um suspiro:
“Se o senhor quiser, pode levar o lanche
o que eu ganhei é maior que o lanche.”
Parti o salgado, dei graças ao Pai
Lembrando de quando o filho disse
“tomai, comei, esse é o meu corpo partido por vós”
Partido pelos que sofrem,
pelos famintos,
pelos desolados,
pelos que se alimentam de dores
e bebem das suas próprias lágrimas.
Peguei o refresco, e agradeci também por ele.
Nem pão, nem sangue, nem vinho,
mas o suficiente para ajudar
alguém a ter sua necessidade básica suprida
e além disso, anunciar a morte do Cristo
até que ele venha.
O que eu fiz, pode ter feito
pouco efeito no corpo do homem,
mas creio que fez grandes mudanças
na alma e no espírito,
e se eu não fizesse o que foi feito
eu não teria a comunhão
com alguém que precisa
da comunhão do Pai.

“Se você não pode fazer por todos, faça por um”

[1] Brites, Ronildo. Palestra proferida ao Ministério de Família, da Primeira Igreja Batista do Parque Anchieta – Rio de Janeiro – RJ – em 10 de julho de 2016.

A igreja da desesperança: quando o túnel causa fim à luz

imagesO que é a igreja de hoje? O que ela deixou de ser ao longo do tempo? Qual a relevância da igreja nos dias atuais? O que aconteceria no mundo se a instituição igreja fechasse suas portas de vez?

Essas perguntas, para as quais pretendo ter alguma resposta, de preferência a partir de articulações com amigos e irmãos que sofrem das mesmas inquietações que eu, explodem o tempo todo na minha cabeça.

Talvez, por conta disso, tenho me questionado também, sobre o meu papel como pastor nessa igreja para a qual busco essas respostas. Sei que não serão respostas prontas que me farão entender os motivos pelos quais há tanta diferença na igreja fundada pelo Cristo e na igreja perpetuada por aqueles que se auto-denominam cristãos.

Não pretendo aqui, fazer estudo de casos. Os casos a ser estudados não são lá boas fontes de estudo. Pretendo discorrer sobre a dor de ser igreja em um mundo para o qual a igreja não tem se mostrado na perspectiva de seu fundador. A igreja que hoje existe, não é, nem de passagem, aquela, de quem se disse certa vez “as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Em dado momento, ela tem sido, de fato, o portal para o inferno em vida.

Nesse sentido, tenho me perguntado sobre de que vale o ajuntamento de pessoas, que chamamos de igreja? (vale à pena ressaltar que não falo do corpo místico de Jesus, mas da instituição). Para que serve? A quem serve e de quem se serve a igreja nos nossos dias.

Nos tempos de Jesus, a Igreja fazia parte de um projeto chamado Reino de Deus. Não estava lá, mas posso compreender perfeitamente que o projeto de Deus com a Igreja sempre foi sinalizar o Reino de Deus. Por isso ele chama os que o seguem de Luz. A luz sinaliza o caminho. O caminho de paz, de busca pelo o outro, de amor e de perdão. O caminho que fizesse com que o povo enxergasse na igreja algo para além do aglomerado de gente.

Jesus os chamou também de sal. Penso que ao comparar os que o seguiam como sal, Ele deu a real dimensão do que deveríamos ser. Não precisa de muito para fazer a diferença. Mas precisa dar sabor para fazer essa diferença. Não precisa saturar se não, no lugar de diferença, haverá uma igualdade intragável e causadora de doenças. Precisa ser pouco, na medida, e com propriedade de dar sabor.

Nesse sentido, da luz e do sal, penso que a igreja se perdeu por completo. A começar por suas lideranças, muitas delas vestidas de uma soberba diabólica. Acredito que o clamor do profeta é tão contemporâneo quanto nos dias Ezequiel quando ele dizia “Estou contra os pastores e os considerarei responsáveis pelo meu rebanho. Eu lhes tirarei a função de apascentar o rebanho para que os pastores não mais se alimentem a si mesmos. Livrarei o meu rebanho da boca deles, e ele não lhes servirá mais de comida.” Ezequiel 34.10

Triste destino para quem, no lugar de fortalecer, curar, enfaixar, trazer de volta a que se foi, procurar a perdida, só pensou em devorá-las. Sendo pastores de sua própria arrogância, ignoraram o conceito mais básico do pastoreio que é o cuidado.

Da liderança, para grande parte dos liderados, muda muito pouco. Não era para ser diferente. Para o bem ou para o mal, o nome disso é discipulado. Há liderados que são a cara e a voz de seus líderes. Por conta disso, há muito incomodo com mudanças nos direitos civis e pouquíssimo incomodo com as lideranças que são pegas em flagrante corrupção. É a ação do líder que faz o liderado.

Desta forma, por que reclamar da corrupção quando se tem uma bancada inteira de autoridades em nome de suas instituições a quem chamam de igreja? Por que se preocupar com os púlpitos que nas eleições viram palanque de um curral eleitoral, onde se vota, não por opção política, mas por serem dominados por suas lideranças. Se auto “farizaízam” e continuam coendo mosquitos e engolindo camelos.

Nas suas marchas, a instituição igreja segue como bando de zumbis, que gritam o grito da alienação, passando por desvalidos, maltratados pela sociedade, doentes, pedintes e a única coisa que conseguem fazer é gritar seus gritos alienante “hei, Hei, hei, Jesus é o nosso rei” (e o pastor fulano, sicrano, o cantor, a cantora, o profeta a profetisa, também).

Continuo pensando sobre o que esse tipo de igreja, comprometida com o poder e os poderosos, no lugar de se alinharem aos oprimidos, tal como o Senhor da igreja, tem a oferecer a este mundo caótico.

A igreja que vejo hoje, é a igreja da desesperança, que prefere ser mais, ter mais autoridades do lado dela, do que ser simplesmente luz e sal, na medida certa para cumprir o seu chamado de sinalizadora do Reino de Deus e diferencial no mundo. É o túnel no fim da luz.

Espero sinceramente, que minha esperança não morra pois tenho esperança naqueles que ouvem a voz do Senhor da Igreja.

Quando a morte é mais significativa que a vida.

dia+morte+jesus“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mateus 5:11-12)

Eu tenho me preocupado com a banalização da violência e com certa generalização que se faz ao se comparar atos violentos de origens distintas.

Fomos surpreendidos com um fato cruel: atentado a uma boite de LGBTs, nos EUA. A dor de quem sofreu a perda, ainda é grande e já se começa a fazer comparações.

Foi dito que ninguém se preocupa com cristãos que são mortos pelos extremistas religiosos, mas que deram extremado valor a gays que foram mortos por um extremista.

Preocupo-me com essa reclamação mal estabelecida ao se dizer “quando é um cristão ninguém se importa”, como se cristão fosse mais ser humano que LGBTs.

Precisamos nos indignar sim, com a morte, seja de cristãos, LGBTs, muçulmanos, ateus, enfim, com a morte sem sentido de um ser humano.

Mas pensando como cristão, faço uma análise, sem nenhum comprometimento exegético daquilo que foi dito sobre o caminhar do cristão sobre a terra. Textos como “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus”. Mateus 5:10, ou ainda “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”. 2 Timóteo 3:12, parecem mostrar que a morte de um cristão, mesmo sendo uma ação violenta, já era algo previsto.

Nesse sentido, nos causa indignação a morte de um cristão, não somente pelo fato dele ser cristão, mas pelo fato dele ser humano. Desta forma, não penso que seja um bom exercício de piedade, em momentos como esses, reclamar por que seres humanos se compadecem da morte de outros seres humanos.

Talvez a pergunta que se faça é: “por que então, não se compadecem da morte de cristãos?” E a resposta melhor talvez seja: “quem disse que não se compadece?”

Mas, se de fato não há compaixão na morte de um cristão, há de se esperar que ele, o cristão, saiba que o caminho do cristão é esse mesmo, de morte para gerar vida.

Ficar medindo qual morte é mais significativa é uma perda de tempo. A vida é significativa, a morte não. A busca por uma percepção de a morte de um grupo é mais importante do que a morte de outro grupo, faz parecer que a morte é mais significativa que a vida.

Eu creio que, quando Deus olha para esta terra, vendo morte de LGBTs e de cristãos, não fica mensurando qual foi a mais importante, pois no fim de tudo, ele criou todos os homens, sejam eles cristãos ou LGBTs e e em um único gesto de relacionamento e amor, enviou seu filho que morreu na cruz, por toda a humanidade.