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As marcas, dores e feridas da vida e sobre quem pode curá-las.

Às vezes eu penso. As vezes penso demais. As vezes penso que pensar exige certo esforço que por vezes me fazem cansar de pensar. Mas sigo pensando.

Estou pensando sobre uma pasteurização da fé, uma certa sacralidade sacal que nem mesmo o Cristo se preocupou de ter. Podendo ser exaltado por seus feitos, ora ele diz “não conte para ninguém”, ora ele diz “paga ao sacerdote o que diz a lei para pagar”.

Eu penso, sem o compromisso de estar certo, de deter a verdade, pois sei que Ele é a Verdade. Sobretudo Ele é a verdade misericordiosa e se no meu pensamento eu falhar,
Ele me dará oportunidade de refazer o percurso.

Estou pensando sobre marcas que a vida nos deixa. Por vezes são doloridas. Cicatrizes que insistem em purgar feridas que já deviam ter secado. Feridas que doem.

E para quem eu olho quando penso nessas marcas? Para o homem de quem se disse em profecia ser “o homem experimentado em dores”. Minha dor, mesmo sendo lancinante não é dor que passe despercebida a quem sabe o que é dor.

Me peguei pesando sobre a genealogia de Jesus, essas coisas da narrativa bíblica que deixamos de lado.

Há muito dado histórico e geográfico, que talvez nem seja possível comprovar, mas há algo que me chama a atenção: “Jessé gerou o rei Davi, e o rei Davi gerou a Salomão, daquela que foi mulher de Urias;”

Por que, depois de tanto tempo, o escritor do evangelho registra um fato que foi tão complexo na vida do grande rei David?

Um historiador diria que é só um registro de que o escritor de Mateus está apontando para uma ramificação da árvore genealógica que não é o tronco principal. Mas não quero pensar como historiador.

Penso que o texto está descrito assim com um propósito. E que me perdoem os exegetas, não estou fazendo exegese do texto, só estou pensando. Pensando que Jesus não é um Deus sacralizado, inatingível, que está separado das humanidades dos homens.

Penso que o escritor descreve marcas da vida. É como se ele quisesse dizer para quem lesse a história do cristo: “Esse Cristo, é aquele que vem de uma raiz de adultério misturado com assassinato premeditado. ”

E sabe em que essa marca na genealogia de Jesus o diminui, o desqualifica?

A resposta é tão simples, mesmo que haja uma horda de cristãos que vejam de outra forma.

As marcas na ancestralidade de Jesus só mostram o que ele é: Filho do homem, homem experimentado em dores, cabra marcado para morrer.

Penso que quando fazemos um esforço inútil de sacralizar, por nossas medidas, aquele que não é possível mensurar, o que de fato queremos é que Ele não enxergue nossas marcas.

Penso que de fato são nossas marcas, tortuosas marcas, feridas doloridas, com secreções da vivência, que nos aproximam do Mestre, do Médico dos médicos, do único homem que pode tocar nossas marcas, nossas feridas e nos curar por inteiro.

Os saudáveis, sem dores, sem marcas, continuarão distantes desse Deus chamado Jesus, pois ele é aquele que tomou sobre ele nossas enfermidades e quem não as tem, dele não precisa.

Isaías 53:3-5
Mateus 1:6

Ensinar para a vida, na vida e com a vida.

Em um dia desses, em que a vida nos proporciona um refrigério, encontrei com um amigo que não via há muito tempo. Como de costume, perguntas sobre família, filhos, realizações, trabalhos, essas coisas que às vezes perguntamos só para ter o que falar. Entretanto, houve uma pergunta que foi bem interessante. Ele me perguntou:  “por que você gosta tanto de ensinar?”

Minha resposta curta, o deixou meio sem palavras e ele mudou de assunto. Dias depois ele pediu-me para falar mais sobre minha resposta.  Aqui vai um pouco do que disse para ele.

Gosto de ensinar, porque vou morrer em breve.

Parece não haver nenhuma relação, mas pare e pense por um momento. Para onde vai todo o conhecimento que acumulamos, quando nosso coração para de bater?

Gosto de ensinar, porque para o lugar para onde vou, a partir dos pressupostos da fé que abracei, não é lugar de aprendizado. Lá, segundo o apóstolo Paulo, nós o conheceremos como Ele é. Todas as coisas antes vistas de forma distorcidas serão vistas de forma clara e sem dúvidas.
Ensinar é de fato um grande aprendizado, mas se há o que ensinar, que se ensine aqui, neste plano.

Gosto de ensinar, pois mesmo que não ponham em prática todos os meus ensinamentos, ou que não se ponha em prática um sequer, tenho a certeza de que compartilhei algo com alguma pessoa. Qual o sentido de estar nesta terra se não for para compartilhar?

Gostei de ter ensinado aos filhos, Helen Brites e Michel Brites, com meus acertos e com meus erros. Os acertos, disse à eles certa vez, são para serem imitados, os erros, para serem perdoados, e lembrados a título de experiência. Olhar para os erros e dizer: “tentarei não errar desta forma”.

Gostei de ter ensinado pessoas a conhecerem o que eu conheço. Gostei mais ainda, quando ao ensinar elas discordaram de mim. Rendeu-nos grandes diálogos enriquecedores da vida.  No fim de tudo, receber como resposta um “discordo de você, mas foi muito bom dialogar contigo” foi a melhore recompensa pelo tempo investido.

Gostei de ter ensinado à Lya Brites sobre como eu sou: simplesmente complexo. O paradoxo da minha existência, com certeza produz nela a vontade de sempre querer me conhecer e me oportuniza sempre poder me descrever como ser que sou.

Goste de ter ensinado durante os sermões que prediquei, que o Evangelho é revolucionário e libertador, e o que for diferente disso é o que o apóstolo Paulo chama de anátema.

Ensinamos para a vida, na vida e com a vida, pois no lugar da morte, ou do pós vida, seja lá como você acredita não há como ensinar a vida.
Por isso, seja lá o que você tiver para ensinar, ensine.

Sabe aquela receita, modificada por você e que adquiriu um sabor todo especial? Ensine. Provavelmente o resultado não será o mesmo e você conhecerá uma nova receita, um novo sabor, um novo aprendizado.

Sabe Teologia, daquela que gera vida, que ensina que o Eterno teve que se esvaziar de si mesmo para gerar vida? Ensine e você estará gerando vidas que gerarão vidas.

Gosta de política, da boa política? Ensine sobre ela, afinal, não é porque os políticos são ruins que a política também tem que ser.

Você sabe assobiar com os dedos na boca? (coisa que não sei até hoje), ensine. Parece bobeira, mas alguém se lembrará de você por detalhes como esses.

Soltar pipa, jogar bola, rodar pião, usar um aplicativo, ter prazer em ler, em sentir, em ver, em viver. Tudo isso pode ser uma grande fonte de ensino e aprendizado.

Você não acredita na vida pós-morte? Não tem problema. Alguém ficará na terra lembrando a todos o que aprendeu contigo.

Quando você chegar diante do Eterno, a quem chamo Deus, e respeito a forma como você o chama, com certeza Ele estará orgulhoso de ter colocado você no mundo para fazer diferença na vida de alguém.

A lei de Moisés, que mata e a lei do Cristo que resgata.

leiSim, eu sou pastor evangélico. Tenho muitos amigos pastores que dos quais posso tirar bons exemplos, mas não me atreveria, e sei que eles não gostariam que eu me atrevesse, a afirmar que eles são meu modelo de pastoreio.

Tenho como modelo de pastoreio o Cristo. Não outro modelo a ser seguido. Ele era homem e o “ser homem” é uma grande possibilidade para mim que quero tê-lo como modelo. Como homem, ele teve a oportunidade de mudar de ideia, esquecer um conceito da sua religião, para favorecer uma pessoa que carecia de sua atenção, amor e misericórdia. Quando ele se decide contrariar a lei do apedrejamento em caso de adultério, ele estava efetivamente deixando um conceito de sua religião (é bom lembrar que a religião de Jesus não era o Cristianismo, mas o Judaísmo), para simplesmente agir a favor do ser humano.

Pelo conceito da religião, ou para não ofender os religiosos, pela Lei do Deus de Israel, quem fosse pego em flagrante adultério deveria ser apedrejado até a morte. A lei é dura, mas é a lei. A lei não excluía um ou outro do apedrejamento. Os dois deveriam pagar com a vida. Os escribas e fariseus, entretanto, pervertem a lei, na intenção de testar o mestre e afirmam que a lei de Moisés manda que “as tais sejam apedrejadas”.

O que Jesus deveria ter feito era apedrejar até a morte. Seria assim um religioso guardião dos preceitos da lei, mesmo que esta estivesse pervertida pelos homens, todavia, ele coloca em cheque o posicionamento hipócrita daqueles homens, de modo que, diante da sua escrita a terra e de sua declaração “quem não tiver pecados, atire a primeira pedra”, cada um se retira.

Estou seguindo esse exemplo e pastoreio, que enxerga na fraqueza daquele ser aviltado e envergonhado, um campo fértil para laçar a semente da misericórdia que gera vida. Conheço os preceitos da fé, mas não ouso transformar esses preceitos em armas a tirar vidas.

Dois temas me chegaram aos meus olhos e ouvidos, e me fizeram refletir sobre eles. O primeiro, trata-se de padres acometidos da síndrome de Burnout que cometeram o suicídio. O clamor da religiosidade me fez perguntas do tipo: um suicida vai para o inferno? Pior que as perguntas, foram os que afirmaram. Quem tenta o suicídio, não pensa se vai para o inferno. Na realidade, ele já vive um inferno e enxerga na morte a oportunidade de se livrar dele.

Quem nunca passou por uma tentativa de suicídio diz com total tranquilidade que Deus mandará os suicidas para o inferno, pois só ele pode tirar a vida que ele mesmo Deus.

Precisamos refletir se de fato o suicida é quem tira a vida, ou se ela já foi tirada por alguém ou alguma coisa antes. Basta uma pesquisa simplória sobre a síndrome de Burnout, e veremos que a vida não foi tirada no ato do suicídio, sendo este somente uma extensão tardia de algo que já havia sido feito.

Sim, sou pastor evangélico, mas não compete a mim determinar quais atitudes que levando um ser humano desesperado a atentar contra a própria vida, o levarão para o inferno. Fui chamado para ser pastor por Jesus, que em sua graça é capaz de compreender o que para muitos outros seres humanos que julgam é incompreensível.

O outro tema, era o aborto. Pra começo de conversa, eu sou contra o aborto. Não haveria de ser diferente, pois como pastor, sigo em busca da preservação da vida. Entretanto, eu não vivo em um mundo formado só por pastores, padres, ou seja lá qual for o nome do sacerdócio religioso escolhido. O que eu faria se uma mulher me procurasse para um aconselhamento sobre fazer ou não um aborto? A resposta é tão obvia, que me cansa ter que respondê-la.

Havendo esta possibilidade, como líder religioso eu tentaria dissuadi-la desta vontade, propondo uma preservação da vida. Por outro lado, não acredito que se uma mulher procura ajuda diante deste tema, ela está contente em abortar. Não posso falar de experiências, pois não participo de uma gestação com todas as nuances que uma mulher participa, entretanto, imagino que toda mulher que procura o aborto como uma solução tem um dilema pela frente.

Durante os clamores contra o aborto, infelizmente não vi ninguém propondo uma discussão sobre o que fazer com os médicos que praticam aborto. Considerando que o aborto no Brasil é crime, os clamores contra o aborto não perceberam a lógica da decisão do STF. Não se estava nesta ação dando à mulher que abortou o direito de abortar, mas o que de fato o STF fez foi dizer “não prendam esses profissionais, pois até o terceiro mês pode sim fazer aborto”. O julgamento do STF absolveu os médicos e enfermeiros, e a população condenou a mulher que aborta.

Mas o que importa mesmo, em um país onde o aborto é crime, é condenar a mulher e absolver os médicos e enfermeiros que fazem o aborto, afinal, eles só estão trabalhando. E com esta visão “crítica” argumenta-se sobre a bactéria de marte, sobre o sexo sem preservativo, sobre “se tivesse fechado as pernas isso não aconteceria” e tantas outras “argumentações” diante de um problema muito maior.

Mostrem-me uma mulher rica, da high society brasileira que tenha morrido ou sofrido algum tipo de problema físico ao praticar o aborto e eu compreenderei que a morte ao abortar não escolhe classe social. Mostrem-me esta mesma garra de rechitégui facebookeana em favor do idoso, colocado no asilo como estorvo e eu pensarei da mesma forma. Mostrem-me um pouco de compaixão pelos moradores de rua, que comem comida do lixo e eu entenderei que esse grito contra o aborto não é somente a repetição de antigos conceitos religiosos do tipo “pela lei de Moisés, as tais devem ser apedrejadas”.

Não posso, por conta da minha fé, decidir sobre a vida de quem não compartilha a mesma visão de fé. A “lei de Moisés” não deve ser imposta aqueles que sequer conheceram Moisés. A “lei de Moisés” é aquela que mata os que cometem tais erros. A lei do Cristo é aquela que resgata os que cometem tais erros.

Sim, sou pastor evangélico e defenderei a vida, tanto daquela que tem 3 meses de gestação, quanto daquela que está gestando há três meses. Não fui chamado para ser pastor que aponta o inferno para quem faz alguma coisa contrária aos preceitos da Lei, mas para ser pastor, tal como o Cristo, que é capaz de ignorar a fúria conservadora dos escribas e fariseus, hipócritas, e finalizar a questão com um “quem te condenou? Nem eu te condeno, vai e não peques mais.”

Muito mais do que discutir sobre suicídio ou aborto, consequências de algo que já se instalou, precisamos discutir as causas, tratar de cada uma delas e ainda assim, se tudo continuar igual, olhar com o mesmo olhar de misericórdia que o Pastor dos pastores olhava para aqueles que diante dele, se encontravam em posição de infortúnio.

O samaritano misericordioso e os religiosos conhecedores da lei.

bomsamaritanoTenho pensado um pouco sobre o que chamamos de “a parábola do bom samaritano”. Refiro-me sobre “o que chamamos”, pois de fato, no texto não há nenhum apelo para a apresentação de um ser que seja bom. É mais correto pensar que o título é devido à traduções e tradições do que ao texto em sua versão original – ou pelo menos da cópia, da cópia, da cópia…. da versão original.

Considerando que Jesus evita o título de bom, é provável que a expressão bom samaritano não corresponda à teologia Lucana. Não seria muito acertado pensar que Lucas descreva o samaritano como bom em um momento e em outro descreve Jesus evitando ser chamado de bom pelo jovem rico.

Sendo assim, podemos considerar como mais próximo da realidade e da teologia de Lucas, a expressão “o samaritano misericordioso”. Podemos inferir isso a partir da declaração do perito da lei –  “aquele que teve misericórdia dele” – , quando inquerido por Jesus de Nazaré sobre quem ele achava que era o mais próximo do homem que sofreu na mão dos salteadores.

Mesmo sendo o título inadequado a partir da teologia lucana, podemos pensar nas ações do samaritano, sem nos prendermos aos detalhes da tradição e das traduções do texto sagrado. Não é quem o samaritano é, mas o que o samaritano fez que configura de fato o mais importante na parábola.

Além disso, do que foi feito pelo samaritano, há outro ponto importante na parábola. Trata-se do que não foi feito por aqueles que, sendo religiosos, e, possivelmente, da mesma religião que o homem atacado pelos salteadores.

Outro ponto importante, por vezes pouco observado é a condição em que a vítima foi deixada. Os algozes o deixaram nu. No contexto religioso atual, nada significa, mas no contexto religioso do tempo da parábola, significa que aquela vítima havia perdido sua identidade de grupo. Não se poderia dizer se era de alguma classe de religiosa. Entretanto, a contradição de um samaritano cuidando de alguém que não era possível identificar, nos remete a uma probabilidade de ser a vítima um judeu. Nesse sentido, a ação dos religiosos é ainda pior, pois se não podiam identificar a classe religiosa da vítima podiam sim reconhecê-lo como um irmão judeu. Não podendo reconhecer se o moribundo era da sua classe, não justificaria deixa-lo da forma que o encontraram.

Não é difícil perceber a responsabilidade assumida e logo depois desprezada pelas duas classes de homens que antecederam ao samaritano misericordioso. Nem o sacerdote, nem o levita passaram por um lugar onde a visão do moribundo fosse impossível. O texto diz claramente que eles seguiram seus caminhos após terem feito contato visual como o homem abatido.

Nisto reside o que houve de pior na ação dos dois religiosos. Viram a necessidade, e julgaram que não era problema deles, deixando o necessitado na mesma situação anterior. Não tivessem visto o homem e suas responsabilidades não seriam observadas pelo redator do texto.

            O samaritano toma atitudes para as quais há um destaque no texto lucano. Primeiro, foi tocado internamente – “moveu-se de íntima compaixão” – vendo-o, não ficou só na observação, mas deixou-se ser afetado pela dor daquela vítima. Em seguida, gastou de seus apetrechos de viagem – azeite e vinho – para amenizar a dor de quem sequer conhecia. Logo depois disso, privou-se de conforto para colocar o objeto de sua compaixão em sua cavalgadura.

            Tivesse ele tomado somente estas atitudes e já seria suficiente para diferenciá-lo dos religiosos. Mas ele foi além. Levou-o para uma estalagem, a mesma que ele mesmo passou a noite, não criando dessa forma uma casta diferente. No dia seguinte pagou as despesas e se comprometeu a restituir o que fosse gasto a mais, quando retornasse.

            Enquanto o certo doutor queria somente testar Jesus, fingindo não saber quem era o seu próximo, o mestre deu uma lição de que o mais importante não era saber a lei, mas identificar o próximo e suas necessidades.

            Quem está de fato preocupado com as necessidades do próximo, não se prende aos rudimentos da lei, antes age, suprindo as necessidades diárias do próximo se comprometendo em investir um pouco mais, caso haja necessidade.

Quando a morte é mais significativa que a vida.

dia+morte+jesus“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mateus 5:11-12)

Eu tenho me preocupado com a banalização da violência e com certa generalização que se faz ao se comparar atos violentos de origens distintas.

Fomos surpreendidos com um fato cruel: atentado a uma boite de LGBTs, nos EUA. A dor de quem sofreu a perda, ainda é grande e já se começa a fazer comparações.

Foi dito que ninguém se preocupa com cristãos que são mortos pelos extremistas religiosos, mas que deram extremado valor a gays que foram mortos por um extremista.

Preocupo-me com essa reclamação mal estabelecida ao se dizer “quando é um cristão ninguém se importa”, como se cristão fosse mais ser humano que LGBTs.

Precisamos nos indignar sim, com a morte, seja de cristãos, LGBTs, muçulmanos, ateus, enfim, com a morte sem sentido de um ser humano.

Mas pensando como cristão, faço uma análise, sem nenhum comprometimento exegético daquilo que foi dito sobre o caminhar do cristão sobre a terra. Textos como “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus”. Mateus 5:10, ou ainda “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”. 2 Timóteo 3:12, parecem mostrar que a morte de um cristão, mesmo sendo uma ação violenta, já era algo previsto.

Nesse sentido, nos causa indignação a morte de um cristão, não somente pelo fato dele ser cristão, mas pelo fato dele ser humano. Desta forma, não penso que seja um bom exercício de piedade, em momentos como esses, reclamar por que seres humanos se compadecem da morte de outros seres humanos.

Talvez a pergunta que se faça é: “por que então, não se compadecem da morte de cristãos?” E a resposta melhor talvez seja: “quem disse que não se compadece?”

Mas, se de fato não há compaixão na morte de um cristão, há de se esperar que ele, o cristão, saiba que o caminho do cristão é esse mesmo, de morte para gerar vida.

Ficar medindo qual morte é mais significativa é uma perda de tempo. A vida é significativa, a morte não. A busca por uma percepção de a morte de um grupo é mais importante do que a morte de outro grupo, faz parecer que a morte é mais significativa que a vida.

Eu creio que, quando Deus olha para esta terra, vendo morte de LGBTs e de cristãos, não fica mensurando qual foi a mais importante, pois no fim de tudo, ele criou todos os homens, sejam eles cristãos ou LGBTs e e em um único gesto de relacionamento e amor, enviou seu filho que morreu na cruz, por toda a humanidade.

Sobre gastronomia, pássaros e liberdade.

Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. João 14:6

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32

Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. João 8:10,11

Passarinho_gaiola

Depois que meu pai foi ao encontro do Eterno, me apeguei a algumas coisas que eram da realidade dele. A primeira experiência foi com a gastronomia.  O primeiro arroz que fiz, nem minha cachorrinha conseguia comer: duro e salgado. O segundo, pastoso e sem sal. Do terceiro em diante, consegui acertar a mão. Nas duas primeiras tentativas, fiz por obrigação e acho que isso explica o fracasso. Há coisas que precisam de desejo, vontade, em sem querer “sazonificar” o texto, precisa de amor. Passada a fase da obrigação, e com inclusão dos ingredientes que faltavam, passei de um cozinheiro medíocre para alguém que conseguiu arrancar alguns elogios.

A segunda experiência foi com a criação de pássaros. Meu pai dedicava um devotado tempo para cuidar dos dele. Confesso que ainda não me aventurei. Tive vontade, mas todas as vezes que chegava nas lojas onde são vendidos, pensava que ao comprar algum pássaro, estaria contribuindo para que um mercado de venda de vidas fosse perpetuado. Eu que sou a favor da vida livre, onde um ser não pode ser carcereiro do outro, não gostei muito da ideia de ser um carcereiro de pássaros. Sei que quem cuida de pássaros dedica, como meu pai, todo cuidado, mas ainda não me vi como alguém que seria capaz de aprisionar.

Neste feriadão, tive tempo de pensar sobre isso e fui iluminado com uma ideia. Talvez nem seja tão original assim, mas foi um lampejo que me ocorreu e me fez bem. Ocorreu quando vi um pequeno pardal, timidamente se aproximando para comer  da comida da minha cachorrinha.

Então decidi. Vou comprar um viveiro de pássaros, com tudo que tem direito. Lugar para comer, beber água, pousar, descansar. A única diferença é que removerei a parte da frente para que os pássaros venham, comam, bebam, descanse e partam em liberdade.

Entendi que a melhor forma de amar é deixar livre, sem amarras, sem horas para ouvir o canto, sem exclusividade para raças, cores, tipos.

A ideia é antiga. Um dia um homem, diante de quem estava para ser aprisionado pela morte, no lugar de consentir  com esta prisão,  resolveu deixar livre. Da mesma forma que disse de si mesmo ser o caminho, a verdade e a vida, disse também “vá e não peques mais”. E disse ainda que quem conhece a verdade, é liberto pela verdade.

Pelo que fez, poderia ter exigido a vida toda de quem perdoou. Poderia ter exigido que ficasse por perto, para que pudesse monitorar, mandar, dizer aonde ir, como ser, o que fazer, o que comer e o que beber.  Mas quem ama de fato deixa livre. Não cria gaiolas. Religiões são gaiolas! São criadas por pessoas que, dizendo amar, escraviza, no lugar de libertar. Um amor que não liberta, jamais poderá ser considerado amor.

Começo com pássaros, no desejo de que outras vidas também venham, comam, bebam, pousem, descansem, mas no fim de tudo, sejam de fato livres.

Complexo de Israel, favela de Nazaré, ano 1.

maepobre

Ela era de família pobre. Morava num complexo de favelas chamado Israel, no morro de Nazaré, um lugar dominado por mal feitores. Era adolescente, pobre, mulher. Tinha tudo para ser desprezada e marginalizada.

Seu nome era Maria de Nazaré.

Um dia, recebeu uma notícia trágica: estava grávida. Na região onde morava, ser mãe solteira não era algo visto com bons olhos. A sociedade patriarcal machista não admitia esse tipo de deslize.

Um amigo de Maria chamado Angelus, diz que ela era uma mulher muito abençoada, pois a benção de Deus estava sobre ela. E disse ainda que dela nasceria o filho de Deus.

Este mesmo amigo procura o futuro esposo de Maria de Nazaré, o José, para dar-lhe a notícia. A princípio ele fica conturbado. Como aceitar uma situação dessas? Como explicar para uma sociedade machista que sua futura mulher estava grávida, se ele mesmo não tivera nenhum contato sexual com ela? Ele então resolve deixar essa situação em segredo.

Deus então subverte a ordem normal das coisas, fazendo com que seu único filho fosse recebido no útero de uma adolescente pobre, moradora da periferia, mãe solteira.

Subverte ainda mais, ao convencer José de que o que estava para acontecer fazia parte de um plano muito maior, que traria salvação a toda a humanidade.

Anos depois, os religiosos, quando encontram uma adolescente que se torna mãe solteira, agindo de forma pré-conceituosa, reúnem-se em suas instituições e decidem que a mesma deve ser expulsa.

Mostram dessa forma, que nada aprenderam com o Deus, que subvertendo a ordem, trouxe salvação ao mundo, através de uma moradora da periferia, adolescente e mãe solteira.

Que sejamos como Deus, que escolhe e acolhe sem nenhum tipo de preconceito e que traz salvação, não a partir de uma perspectiva de poder, mas de humildade e simplicidade.

Feliz natal a todos e a todas!

A mulher adúltera e o grupo dos fariseus no Whatsapp

Jesus, porém, foi para a comunidade Vila Marimbondo em Contagem – MG.

E pela manha bem cedo, foi até a calçada de uma igreja da região, onde não lhe permitiam entrar. O povo vinha ter com ele, e ele os ensinava.adultera

No meio do ensinamento alguém o chama no seu smartphone. Ele abre o seu whatsapp e percebe que o grupo dos fariseus estava agitado.

Eles começaram a mandar mensagem dizendo que haviam pego uma mulher em flagrante adultério.

Jesus, cansado dessa história, pois já não era a primeira vez, resolveu só mandar uma carinha triste. O grupo dos fariseus, foi além, e chamaram Jesus para um hangout. Queriam mostrar a prova do crime.

Jesus então resolve aceitar.

O grupo dos fariseus exibe um vídeo de uma mulher, com seu amante, sendo pega por seu marido, dentro de um motel.

Seu marido a agredia física e verbalmente, além de quebrar o carro do amante de sua mulher.

Um amigo da mulher pega em flagrante filma toda a cena, tratando a mulher como se fosse pior do que ele agindo daquela forma.

Jesus vê e fica calado.

O pessoal do grupo dos fariseus dizia: Mestre, você não vai falar nada? Essa mulher foi pega em flagrante adultério. E na Lei de Zuckerberg diz que tais mulheres devem ser humilhadas, execradas e terem suas vidas e falhas exibidas em todas as redes sociais.

Eles diziam isso, para ver se encontravam em Jesus algo que pudessem usar contra ele. Quem sabe Jesus gostasse da cena. Ou ainda, quem sabe se Jesus não incluía aquela mulher no seu whatsapp para depois, sabendo que ela havia cometido um erro, cometesse o mesmo erro com ele.

Mas Jesus, que já conhecia o coração de cada um participante do hangout, abriu seu super notes e começou a escrever as vezes em que cada um daqueles homens e mulheres que estavam “viralizando“ aquele vídeo haviam cometido o mesmo pecado, se não na carne, no coração.

O grupo dos fariseus issistiu com Jesus por uma resposta. Ele compartilhou o arquivo gerado no super notes para todos do hangout e do grupo dos fariseus no whatsapp.

Jesus pediu para que eles compartilhassem o vídeo da mulher pega em flagrante adultério, para o próximo contato, com comentários de ódio, aqueles que nunca tivessem errado.

Quando leram a nota feita por Jesus e compartilhada, um a um foi desconectando do hangout.

Jesus então viu que todos do grupo dos fariseus, saíram do grupo.

Ele procura na internet o perfil do facebook da mulher, pega em flagrante adultério e a adiciona, chama no Messenger e pergunta:

Onde estão aqueles que estavam no grupo dos fariseus e no hangout? Ninguém te condenou?

Ela respondeu: apesar de terem me humilhado muito, eles não estão mais na rede para me condenar.

E Jesus então lhe falou:

Nem eu te condeno. Vai e não faça outra coisa quando disseres que vai à manicure.

Os fariseus saíram do grupo de Whatsapp de Jesus, mas continuaram por ai, pelas redes sociais, execrando e humilhando esta e outras pessoas, sem observarem seus próprios erro.

Sobre a morte do Evangelho, do Teólogo e dos Jovens Pobres.

Hoje é feriado em Brasília, porque é dia do Evangélico.glass-262105_640

Hoje é dia do teólogo.

Ontem a policia assassinou 5 jovens pobres.

Qual a relação entre as três frases?

Se você não quiser pensar, nenhuma. Pare por aqui e vá ler outra coisa que para você seja mais interessante. Pensar para algumas pessoas, é um exercício doloroso.

Entretanto, se você não se furta a dor de pensar e de refletir sobre dores, mesmo que não sejam as suas, continue. No fim de tudo, pode ser que nada mude, mas pelo menos pensamos juntos.

Sobre Brasília ser um feriado, só porque alguém da bancada gospel (recuso-me a denomina-la evangélica, pois o Evangelho não se presta a isso) resolveu que não tinha coisa melhor a se fazer e criou um feriado para satisfazer as vaquinhas e boizinhos de seus currais eleitorais, penso que de fato fizeram o que é mais acertado.

Se a bancada gospel se prestasse somente a criar feriados, prestaria um serviço melhor do que o que presta, querendo ser juiz da vida, relacionamentos, opções e decisões do alheio. Junte-se a essas intervenções, o fato de boa parte da bancada gospel ser a favor da diminuição da maioridade penal, sem contudo, oferecer de fato uma solução para o problema. Os filhos negros e pobres não são os deles mesmo, por que se importar com isso? E se fossem, teriam o dinheiro para subornar quem fosse preciso para que seus filhos góspeis permanecessem livres. O pior disso tudo é que a Igreja em grande parte ratifica o discurso dos góspeis de Brasilia.

Sobre o dia dos teólogos, considerando o bom ensinamento que tive, de que o Teólogo é aquele que reflete sobre o relacionamento do Sagrado com o Humano, acredito que o Teólogo é, no nosso mundo, uma espécie em extinção.

Se não em extinção, em descrédito, sobretudo pelo fato de que sua área de influência já não é tão bem vinda assim nas comunidades de fé cristã. Falo da fé cristã, por ser a que foi por mim abraçada. E quando digo “nosso mundo”, não estou fazendo a divisão sem sentido de Igreja versus mundo, como normalmente se faz.

Os bons teólogos estão morrendo, vítimas naturais do tempo, que põe fim a tudo que é vivo e vítimas de alguns vivos sem abundância, oposição a vida com abundância oferecida pelo Cristo. Estes sem-abundancia, preferem ignorar o fato claro de que só haverá discurso teológico se existirem teólogos fazendo esse discurso. Mas quem falou que os sem-abundancia querem isso? De fato, preferem a morte do teólogo, seja pela vida ou em vida.

Sobre os 5 jovens pobres mortos, a frase já define o que se dirá deles: estão mortos. Mas não estão mortos porque levaram tiros. Já estavam mortos antes, quando nós ouvimos as outras mortes de outros jovens pobres e não fizemos nada. Estão mortos desde o momento em que a igreja tupiniquim resolveu aceitar o projeto de poder dos seus líderes, politiqueiros ou não, no desejo prostituído de se tornar influência política no Brasil. E na hipocrisia criada choram as mortes francesas (injustificadas, que fique clara) pelo Estado Islâmico, mas desejam ardentemente a implantação de um Estado Góspel no país, onde os líderes góspeis consigam implantar sua doutrina anti-evangelho.

Qual a relação?

O evangelho, tal como ensinado pelo Cristo e seus apóstolos (os de verdade) está morrendo e dando lugar ao góspel-anateísmo.

Os teólogos estão morrendo, se não em vida, no ostracismo de não querer se dar ao trabalho de refletir o evangelho do Cristo e combater o evangelho anátema que se instala de forma nefasta em nossas terras.

Os jovens pobres estão morrendo sistematicamente e continuarão morrendo, se a Igreja não sair do conformismo, viver um evangelho que pensa o ser humano a partir do Cristo e não a partir da instituição e seus dogmas, e  se indignando, promover de alguma forma uma mudança real na sociedade, que seja mais do que dizer que quem viver o evangelho não poder fazer isto ou aquilo.