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Obra Historiográfica Deuteronomista – Resumo e critica.

Resumo

O texto inicia-se com uma visão panorâmica sobre os momentos em que o rei Josias havia passado ao estabelecer uma reforma espiritual, aliado ao livro que fora achado nas escavações do templo de Jerusalém: o livro da Lei. Após a leitura do livro, Josias resolve que deveria ser escrito um outro livro, que contasse os feitos de Israel, do seu povo dos seus profetas e dos seus heróis.

A confecção deste livro passaria pela reunião de todos os documentos que fossem tidos como importantes para a história. O local de busca dos documentos, em princípio seria os arquivos do palácio e do templo. Registros da história da vida e do reinado de David, com todas as implicações familiares, textos que falavam da construção do templo com detalhes, escritos sobre a reforma religiosa de Ezequias, entre outros. Além do que fora encontrado nas bibliotecas do palácio e templo, foram analisados e em seu tempo acrescentados as tradições encontrada entre a população, de forma que não só o que estava escrito, mas o que fora passado na tradição oral fosse incluído na redação final desta parte do texto do pentateuco.

Com um número extenso de material a ser compilado, foi preciso que se deixasse de fora muito do que fora pesquisado e, deixando de ser compiladas histórias de conteúdo imoral e violento, em contrapartida, foi acrescentado muito do que  se supunha ser verdade. Essa parte do texto serviria como complemento e também como material de servisse de entusiasmo ao povo que os animasse a servir a Javé, rejeitando qualquer forma de idolatria.

Muito do que foi inserido no texto foi composto por alguém e dito ser da autoria de  outro grande personagem, como Moisés, de modo a dar credibilidade ao que fora escrito. Este recurso parece ter sido bastante utilizado e tudo que foi posto “na boca” de homens como Moisés seria aceito como sendo dito por ele, considerando o seu prestígio entre o povo. O conteúdo, porém da narrativa deveria apontar para uma visão teológica de um único Deus de Israel, a fim de que a política religiosa de Josias fosse bem justificada.

Mesmo que cada tribo tivesse se estabelecido sua conta e com muita dificuldade, foi importante descrever a conquista territorial de forma que fosse incutido a ideia de que o povo agiu de forma unida, conquistando juntos a terra prometida. O material encontrado sobre uma conquista particular de cada tribo foi deixado de lado a fim de que a conquista coletiva fosse valorizada como sendo a melhor história. Além disso, o texto é construído de modo a mostrar que a conquista da terra, além de ter sido feita em comunidade, só foi possível pelo fato de Josué ter conduzido o povo em fidelidade a Deus, ação esta que os permitiu dispersar os povos pagãos da terra, mesmo que na realidade estes povos continuasse lá e alguns, convivendo muito bem com os israelitas. Nesse sentido, a história contada não precisou seguir os fatos em sua exatidão, mas cumprir o papel para o qual a narrativa foi composta: mostrar que os antepassados do povo de Israel conquistaram a terra porque não aceitaram em nenhum momento a idolatria nem os idólatras daquela terra.

O enfoque dado a Lei de Moisés, era o pano de fundo para que se fosse compreendido que, ao seguir a Lei, o povo estaria sendo abençoado por Deus, libertos de seus inimigos e tendo suas terras estabelecidas e conquistadas, mesmo que para isso fosse necessário exterminar da terra os povos que antes a habitavam.

Na composição dos tempos dos Juízes, a história teve seu estabelecimento de modo que cumprisse algumas diretrizes. Personagens que a princípio cairiam em descrédito entre o povo, foram construídos de forma a que virasse heróis, como no caso de Sansão. Outros, que não tiveram grande participação, foram elevados a categoria de grandes guerreiros. Outro cuidado foi de mostrar que os Juízes não foram estabelecidos em áreas geográficas específicas, mas em todo Israel. O objetivo disto era mostrar novamente a unidade do povo. Outras histórias foram propositalmente esquecidas de modo que não atrapalhasse o objetivo unitário inicial.

A descrição da formação da monarquia em Israel esbarrou-se em duas tradições. Uma dizia que a monarquia era algo que Deus queria e outra dizia o contrário. As duas propostas foram aceitas de modo que o leitor não conseguisse uma ideia real do que realmente ocorreu. Saul é descrito de uma forma a ser vitima dos que eram partidários de David, ao sul e dos inimigos da monarquia, ao norte. A história da vida de David, foi contada a partir do material já existente, não sendo, portanto, possível retirar dela nem mesmo os fatos moralmente errados e violentos. Os detalhes minuciosos da construção do templo foram inseridos no texto de modo a mostrar o enfoque religioso da narrativa. Os profetas foram inseridos na narrativa de modo intercalado, ora profetas do sul, ora profetas do norte.

O primeiro ato se encerra com explicações sobre como a narrativa foi estabelecida. Em linhas gerais, animar o povo, mante-lo unido e fiéis a um único Deus: Javé.

O segundo ato se dá em um momento de crise, durante o cativeiro na Babilônia, no ano 560 aC. A culpa do cativeiro é assumida de forma simples. A História escrita há tempos atrás, mesmo escrita em tempos de otimismo, tinha como objetivo principal mante-los fieis a Javé, e como não o foram, lá estavam eles cativos na Babilônia. Neste momento da história, é acrescentado fatos que não existem na primeira construção da narrativa Deuteronomista. Os que eram fiéis foram exaltados e os infiéis pintados com uma matiz que mostrava todo peso da sua infidelidade no fato de o povo ter sido levado cativo. Ameaças de punição com o cativeiro séculos antes do fato ter ocorrido, mostrando que o povo deveria permanecer fiel. Pouco se acrescenta neste momento, e tudo indica para a desgraça de ser levado cativo. Um povo com tanta história contada por uma visão otimista termina com um pequeno grupo que, de volta para o Egito, sem terra, sem rei, sem liberdade, voltam para onde começou.

O terceiro ato resgata histórias que foram deixadas para trás, na tentativa de mostrar um povo puro, fiel e temente a Deus que não admitia homens que cometessem erros, a menos que esses erros fossem conhecidos por todos, como no caso de David. As tradições antes descartadas, passam a fazer parte da narrativa, mesmo que a inserção de algumas delas, contivessem falhas inevitáveis, como unir as tradições de Samuel às origens da monarquia. Essas falhas, porém não acabariam com as verdades centrais da história.

No quarto ato temos novamente uma nova compilação da narrativa Deuteronomista, que fará parte do que temos hoje na bíblia Judaica. A principio, esta organização tem como mudança fundamental, o fato de que neste momento fica estabelecido a narrativa de um passado glorioso dos patriarcas, a história da formação do povo, a libertação do Egito, a aliança no Sinai, a caminhada para a terra prometida. Em outras palavras, é a narrativa da identidade de um povo. O povo de Israel.

 

Crítica

O autor descreve a composição da Obra Historiográfica Deuteronomista a partir de uma abordagem em forma de atos, que são divididos conforme a época e as compilações feitas das tradições de várias partes do povo de Israel. Essa perspectiva de novela é usada para que possamos entender o panorama da escrita do texto bíblico.

Esta forma de descrever é extremamente simples e de fácil entendimento. O autor mostra com clareza as possibilidades da composição da narrativa bíblica, de modo que fica muito mais fácil entender o escrito bíblico sob uma perspectiva desassociada do que normalmente se ensina nas comunidades de fé.

A descrição da diversidade de material usado na composição do texto, nos permite entender repetições e, em alguns momentos, tensões contraditórias na narrativa bíblica. O autor nos mostra desta forma, quais foram os motivos pelos quais, nos deparamos com textos que são extremamente antagônicos e contraditórios, onde alguns textos chegam a negar outros já descritos.

Outro ponto importante salientado pelo autor, é que algumas contradições podem ser perfeitamente entendidas pelo fato de na época da escrita da narrativa bíblica, o processo de escrita e muito mais laborioso que atualmente.

O autor propõe três formas de leituras muito interessantes e que na maioria das vezes são totalmente ou parcialmente ignoradas. A leitura política, onde é possível vislumbrar as circunstancias estranhas pelas quais David chega ao trono, todas elas com justificativas contrárias à teoria; a leitura religiosa e teológica, que apontam para a relação entre Deus e a história. O autor mostra dessa forma que o Deus de Israel se compromete com o Homem até as últimas consequências, apesar de todas as falhas desse Homem.

Livros Sapienciais e Poéticos – Resumo e Crítica.

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Resumo

O termo sábio, tal como o conhecemos, não descreve em um melhor sentido os sábios encontrados no texto bíblico. Os sábios não são pessoas retraídas, absortas em sua ciência e que se afastam das preocupações diárias, antes, são pessoas que fazem parte de um grupo que vai desde o educador até o filosofo e teólogo, sendo dessa forma, parte de uma elite do conhecimento, mas também é composto de pessoas simples,  detentoras de uma sabedoria popular, produto da observação e experiencias vividas ao longo de anos.

O que o sábio discute passa por temas como a origem e a natureza da sabedoria, o problema do mal, o sentido da existência humana, mas também trata de níveis mais simples e quotidianos, como a educação de filhos, amizade, orgulho, formas de governo, domínio próprio, uso do dinheiro. A resposta a todos esses problemas, não é encontrada em busca em arquivos e bibliotecas, mas em uma busca experiencia humana geral, iluminada em muitos casos pela fé. O sábio não diz “oráculo do Senhor”, mas contenta-se com um simples “filho meu, preste a atenção…”

A experiencia de séculos se fundem na pessoa e na missão do sábio de Israel. O conhecimento não está isolado na própria época e cultura, mas é construído também através do contato com povos vizinhos. Mesmo tenha sido construído dessa forma, foi-se impondo com toda evidencia que “toda sabedoria vem do Senhor”, contudo, o fato da sabedoria vir do Senhor, não implica em anular a personalidade de cada autor sapiencial. Por conta disso, vamos encontrar vários estilos de personagens, de ancião sensato e modesto até o ancião desencantado com a vida; otimistas e pessimistas, serenos e apaixonados, refinados e de escassa cultura.

Mesmo antes de Israel existir como povo, a sabedoria já era um fenômeno comum no oriente. Egito, Mesopotâmia e Síria, possuíam vasto material sapiencial. Alguns escritos sapienciais da bíblia, recolhe alguns desses testemunhos de outros povos, citando, inclusive suas fontes. Muitos textos compilados no Livro de Provérbios, são conceitos que eram propagados no âmbito das famílias e clãs. Ensinamentos simples sobre amizade, educação dos filhos, hospitalidades e outros temas, foram inseridos em Provérbios a partir do conhecimento difundido entre o povo, não perdendo seu valor como palavra de Deus.

Um enfoque pouco percebido ao leitor moderno é o fato de que foram inculcados princípios de conduta através de personagens históricos ou fictícios, que colocados em situações instrutivas trouxeram, por suas experiencias ensinamentos ao povo. Dessa forma percebemos que a literatura sapiencial em Israel não se limita aos cinclo livros chamados sapienciais, mas aparece também nos livros narrativos e proféticos, além dos salmos.

Houve um período de crise nos séculos V-III e nesta época foram produzidos duas obras de grande importância para o movimento sapiencial: O livro de Jó e o livro do Eclesiastes. A diferença desses dois escritos em relação aos outros que são otimistas em sua essência é que faz com que exista esse momento de crise da sabedoria. O inicio dessa crise talvez tenha antecedentes na pergunta de Jeremias, quando questiona a prosperidade dos impios e a paz dos traidores. A crise sapiencial é uma crise da ideia de Deus. Anteriormente, este Deus era um elemento que servia para corrigir e explicar, sem que existisse experiencias pessoais, a partir de Jó, o conhecimento de Deus deixa de ser superficial – “antes eu te conhecia de ouvir falar”, para um conhecimento mais profundo – “agora meus olhos te veem”. Para o Eclesiastes, a crise começa não a partir da dor, mas do fastio. Ele busca a sabedoria, percebe que essa busca é loucura e tolice e começa a experiencia do prazer, da alegria, da frivolidade e da riqueza. Ele duvida de tudo, da justiça, da capacidade dos governantes, do esforço humano, do ensinamento tradicional, da reta ordem do mundo. Somente a realidade da morte é que elimina de maneira absoluta qualquer sentido da vida. O Eclesiástico e Sabedora, livros admitidos somente pelos católicos, formam a etapa final dos livros sapienciais.

Critica

O texto é claro e de fácil leitura, o que propicia um entendimento rápido e a percepção dos objetivos do autor.

            A forma como o autor apresenta o livro de Jó é extremamente atraente, fazendo com que a leitura flua com a naturalidade de quem lê uma entrevista em uma revista de grande circulação. É interessante perceber que ao contrário como se ensina sempre nas nossas comunidades de fé, a personagem Jó está muito mais para um justo rebelde do que para um justo paciente. Este mesmo Jó paciente não exista sem ser sarcástico, rebelde, blasfemo quando perde tudo.

            O autor também mostra com grande maestria que uma atitude puramente religiosa pode levar a uma série de ideias errôneas sobre Deus. Essa atitude pode produzir uma teologia extremamente frágil.

            A construção em Jó, de um personagem chamado satanás, sem a visão cristianizada, leva a pensar se esse personagem tem mesmo todo o poder, ou quase todo, como se é apregoado em muitas comunidades de fé. Por ser colocado como um elemento da corte celestial, é perceptível sua limitação como alguém que tem acesso ao Eterno, mas depende totalmente dele para tomar quaisquer decisões. Qualquer visão diferente dessa, descrita em Jó, empobrece totalmente uma das mensagens principais do livo: Do Eterno dependem todas as coisas e tudo está sob o seu controle.

            Outro fato interessante é a explicação que o autor, na pessoa da personagem Jó, emite sobre a composição da narrativa bíblica. A estrutura principal do texto teria sido escrita por quem escreveu Jó, mas isso não significa que não tenham existido interferências externas e acréscimos ao texto original, na tentativa de se contribuir para a construção final da narrativa.

Jonas: Simbologia e Verdade

I – INTRODUÇÃO
Na Bíblia encontramos muitas narrativas, que servem para nos ajudar a entender e explicar a existência humana muito mais em função daquilo que o homem realiza do que em função das realizações de alguma divindade. Temos registrado na bíblia a narrativa de Jonas, profeta enviado a Nínive para pregar sua eminente destruição. Depois de andar na contramão do que lhe fora mandado, acaba não somente pregando a conversão para os ninivitas, mas tomando parte de um sentimento misto de desapontamento e derrota. Quando percebe que há uma mudança radical em todos os moradores da cidade, onde, por ordem do rei até mesmo os irracionais devem prestar adoração a Deus, ele entra em uma crise que o remete para desejo ardente de destruição daquele povo. De forma contundente, questiona os motivos pelos quais Deus resolve poupar a cidade.
Este trabalho tem como finalidade demonstrar a relação entre o que é simbólico e o que é real nos textos bíblicos. Mesmo que existam lacunas, o propósito é mostrar que, diante de uma leitura com uma visão desassociada da fé, os textos não devem ser entendidos de forma literal, sem, contudo perder seu valor de fé.
II. A SIMBOLOGIA.
Jonas rebela-se contra a ordem dada por Deus de pregar aos ninivitas e decide empreender uma viagem de navio para Társis. Em meio à viagem, sobreveio uma tempestade que assusta a todos, exceto Jonas. Todos clamam por seus deuses enquanto Jonas dorme. Decide-se então lançar sorte sobre todos os ocupantes do navio e a sorte cai sobre o próprio Jonas que confirma o real motivo daquela tempestade.
Lançado ao mar, Jonas é engolido por um grande peixe, permanecendo em suas entranhas por três dias e três noites. Jonas resolve clamar a Deus que ouve sua oração e ordena ao peixe que o vomite na areia da praia.
Deus renova a ordem dada anteriormente a Jonas e o envia definitivamente para Nínive.
Chegando à cidade, Jonas prega contra ela e prediz que em quarenta dias a cidade seria subvertida. O arrependimento é instantâneo fazendo com que a plebe, a monarquia e até mesmo os animais fizessem jejuns e clamassem a Deus por perdão. A ordem é seguida por todos e Deus se arrepende de ter pensado em destruir Nínive.
Neste momento, qualquer pessoa pensaria que Jonas ficaria feliz por ter conseguido fazer a cidade entender sua mensagem. Entretanto, ele questiona com Deus e chega a pedir que se lhe tirasse a vida. Jonas sai da cidade, faz uma cabana e senta-se para ver o que aconteceria a cidade. Deus intervém mais uma vez e faz crescer uma aboboreira que alivia o enfado sentido por Jonas e isto o deixa muito alegre. Nova intervenção de Deus e um verme destrói a aboboreira.
Por causa disto, Jonas deseja novamente a morte. Deus questiona com ele dizendo que não existindo trabalho por parte de Jonas, existia, contudo a revolta pela morte da aboboreira e se era assim o seu comportamento, por que ele questionava a compaixão divina por Nínive, que demonstrava ser um povo que mal sabia distinguir a mão direita da esquerda.
III. A VERDADEEm seu conteúdo, a saga de Jonas passa por um processo que nos remete ao desejo de suplantar obstáculos internos e renascer novamente.

Muito mais do que crer numa história altamente fantástica, com tempestades, grandes peixes, arvores que nascem crescem e morrem num período curtíssimo, o leitor precisa entender o que ela representa quando é lida hoje.

Sem querer passar pelo campo da pesquisa arqueológica, onde poderíamos apontar algumas tensões no texto, relacionado com a cidade, geografia, hidrografia, basta a visão de um homem engolido por um peixe e vomitado na praia para que se perceba que essa não é a principal mensagem do texto.

O que é simbólico serve para encaminhar o leitor para o real valor do texto aplicado na vida de quem o lê. Não é possível postular a crença na fé religiosa, neste caso a fé em um Deus que realiza feitos fantásticos a não ser através do símbolo.

Há um processo de suplantação de obstáculos e renascimento. Este processo é a realidade de todos os homens, que, desejosos de progresso encaram os obstáculos do dia a dia e na possibilidade de não serem competentes o suficiente para suplantá-los, clamam a uma divindade que vem em seu socorro. É a realidade atual do irreal vivido por Jonas.

Grandes peixes querem a todo tempo engolir pequenos homens. Pequenos homens sempre clamam por auxílio. Auxílio sempre vem de forma fantástica.

É na carência de Jonas, que clama em grande angústia, que se revela a própria angústia dos homens.

Os homens não precisam pregar a destruição de Nínive hoje, mas tal como Jonas, precisam eles próprios se converter de seus caminhos egoístas. O primeiro homem a quem Deus queria trazer o arrependimento era o próprio Jonas. Era ele quem deveria ser encaminhado para uma vida de mudança radical.

Na total inexistência de provas de sua realidade, o homem é confrontado com a seguinte verdade: Jonas precisa de transformação radical, mas Jonas não existe. A transformação radical, essa sim existe e precisa acontecer, então, pensa o homem, eu sou o “Jonas real” no lugar daquele que não é real.

O conto nos mostra como a princípio Jonas, assim como todos os homens é um mero escravo. Ele se escraviza, primeiramente, diante de seu próprio prazer, quando evita a árdua tarefa de pregar em Nínive.

Em uma segunda vez, quando deseja ardentemente a destruição daquela nação. A realidade do homem é, em certo sentido, uma realidade de escravidão. Vive-se uma vida de preconceitos e de padrões preestabelecidos que excluem todos os que fogem desses padrões. Assim como o padrão de Jonas para Nínive era destruição em quarenta dias, o padrão do homem é a destruição total da liberdade do outro para a satisfação da própria vontade de quem deseja a destruição.

IV – CONCLUSÃO

Existem duas visões sobre a interpretação do livro do profeta Jonas que merecem, a título de conclusão, ser aqui comentados.

Há aqueles que acreditam na narrativa de Jonas como sendo a mais pura expressão da verdade, usando como justificativa a ideia de que se está na bíblia é verdade. Esta argumentação é oriunda de uma fé fundamentalista que não suporta passar por uma crítica histórico literária.

Um outro extremo é determinado por pessoas que simplesmente colocam o texto de Jonas como um conto imaginário que não merece nenhuma credibilidade.

Esta argumentação é pobre, pois não percebe o real sentido do texto. Criticar um texto tal como o de Jonas e dizer que o mesmo não pode ser entendido como literal, não significa destruir a fé de quem quer que seja. Fé que não resiste a uma crítica é fé que nunca existiu.

Numa leitura crítica, sem, contudo transformar a fé em algo descartável, encontramos em Jonas a verdade de que não são os valores dos homens os mais importantes para a divindade e muitas vezes, a divindade escolhe aqueles a quem o homem reputa por inadequados para receber dela suas benesses.

Outra verdade refere-se ao fato de que mesmo que se tente fugir da divindade, em algum momento o homem necessitará clamar por ela, e, mesmo que o estado do homem seja de desagravo para com a divindade ela o socorrerá. Ler Jonas excluindo essas verdades é fazer uma leitura pobre e a maneira como Deus fez chegar até nós todas as verdades foi através da simbologia contida no Livro.

Introdução ao A.T – Escatologia e apocalíptica

Há muita coisa na literatura apocalíptica que funciona de forma muito semelhante à literatura profética. Mas há também muitas características que são próprias da literatura sapiencial. Há teóricos que dizem que a literatura apocalíptica é um desdobramento da literatura profética. Assim como eu tenho na literatura contemporânea uma literatura moderna e uma literatura pós-moderna, ou seja, uma é conseqüência, continuidade da outra, embora sejam coisas diferentes.Há que se perceber três pontos importantes

1ª – Movimento apocalíptico

2ª – Literatura apocalíptica

3ª – Os apocalípticos

Estes três estão muito próximos uns dos outros, ao mesmo tempo em que são diferentes uns dos outros.

O movimento apocalíptico é um movimento sócio-político-economico-religioso, como qualquer outro movimento social. Assim como temos ao longo da história movimentos de direita, de esquerda, de operários, de sindicados, de bandeirantes, de cruzadas, que no fundo são acontecimentos históricos, mas que não se consegue precisar uma data e um lugar. O que pode se dizer sobre datas referente ao movimento apocalíptico é que ele começou por volta do séc. 2 a.C e se estendeu até o séc. 2 d.C. Seria o que chamamos de período intertestamentário. No movimento apocalíptico, vamos determinar algumas causas sociais que provocaram o surgimento deste movimento. Por exemplo, a falência das instituições religiosas oficiais de Israel. Israel tem basicamente três grandes garantias religiosas ao longo dos séculos que antecederam a época cristã:

1ª – O templo – Houve em Israel muito trabalho relacionado com a questão do templo. Isto pode ser visto nas obras de Esdras, Neemias, Ageu, Malaquias, Zacarias, um pouco de Naum. Estas obras, assim como passagens inteiras em Levíticos, influenciaram muito em Israel um cuidado todo especial em função da questão do tempo. Percebe-se nessas obras uma religião centrada no templo de Jerusalém. O templo de Jerusalém se tornou uma grande instituição em Israel. Mal comparando, temos, no mundo moderno a figura do Papa. Uma decisão do Papa em Roma traz uma repercussão para o catolicismo no mundo inteiro. Quando ocorre uma crise neste templo, através de estrangeiros que profanaram o templo, como pode ser visto no livro de Daniel – o abominável da desolação – Quando o templo já não é suficientemente puro para a religião de Israel, eles começam a olhar para fora do templo. Uma dessas formas de “olhar para fora” do templo é a literatura apocalíptica.

2ª – A Monarquia – Houve também uma falência muito grande nesta instituição, que está muito próxima do templo, até mesmo fisicamente. A figura do rei, a figura do messias que se senta sobre o trono, essas figuras foram coisas que com o passar dos tempos se desgastaram historicamente. Vários messias, a partir de David, sentaram-se no trono de Israel, no entanto, na época do período anterior ao novo testamento, cerca de 2 ou 3 séculos antes, há uma idéia na cabeça da população de que um rei humano, histórico, não será suficientemente poderoso para restaurar a sorte, a felicidade, a benção de Israel. Há aqui também um olhar para fora da monarquia. Surge a idéia do messias, o filho do homem, o filho de Deus, que restauraria Israel. Com a falência da monarquia, o movimento apocalíptico começa a procurar um novo messias. Acredita-se que os essênios eram na verdade um grupo de Judeus dissidentes do templo de Jerusalém que foram para o deserto e que acreditavam que do meio deles surgiria o messias que traria a restauração de Israel. Por essa época, Israel era uma caldeira fervente e movimentos como os dos essênios surgiram aos montes em Israel. Entretanto, eles não tinham força militar e política para um enfrentamento com os romanos. Eles enfrentaram com a arma mais forte que eles possuíam, que era a dimensão religiosa.

Os movimentos religiosos, cristãos e não cristãos, da atualidade só existem por que as instituições tradicionais do ocidente fracassaram. Estas instituições tradicionais ainda existem, mas elas não respondem mais satisfatoriamente à população, à cultura, ao mundo moderno. Por exemplo, o catolicismo, de cortes ainda medievais e o protestantismo, que é umas instituições tipicamente modernas, européias, já não respondem mais às determinadas indagações como respondiam a trezentos ou quatrocentos anos atrás.

3ª – Os apocalípticos – O movimento apocalíptico surge da falência das instituições religiosas em Israel. Ele é um movimento social e não institucional. Não há como encontrar evidências físicas deste movimento, como por exemplo, templos, altares, etc. É um movimento de idéias e a grande produção deste movimento que ficou foi a literatura. Dessa literatura apocalíptica surgiram os apocalípticos. Temos o apocalipse no novo testamento, no antigo testamento, no livro de Daniel, e também e muito mais fora da bíblia. Há literatura que só se conhece por citações em outras literaturas da época, que visivelmente foram influenciadas pelas técnicas literárias apocalípticas. Assim como hoje, quando estudamos literatura, existe literatura que se encaixa no modernismo, romantismo, barroco, arcadismo, existe uma literatura em Israel que se encaixa como profética outra que se encaixa como apocalíptica outra que se encaixa como sapiencial.

Há uma diferença entre apocalíptico e escatológico. Apocalíptico é um gênero literário, essencialmente simbólico e escatológico é um tema, uma idéia teológica.

O texto apocalíptico não é a transcrição do que foi dito no passado para um grupo de pessoas reunidas. Ele é uma peça literária que foi escrita por uma pessoa, que para dar sentido ao todo, usa elementos e técnicas literárias. O escritor não reproduziu a fala de alguém, mas pensou sistematicamente sobre o que estava escrevendo.

Encontramos na pesquisa escatológica dos textos proféticos os seguintes temas: Intervenção de Javé, convocação das nações, vinda do inimigo à terra de Israel, resto de Israel, Juízo divino, castigo do inimigo, fenômenos cósmicos, nova ordem cósmica.

A grande característica da literatura apocalíptica é o fato de quem escreve não escreve por acaso. Escreve o que sonhou e o que Deus ditou. O autor do texto não é quem escreve, mas quem o manda escrever. Na literatura sapiencial o autor escreve o que ele mesmo está dizendo. Na legislação é Deus quem revela, mas é o legislador quem escreve. Na literatura apocalíptica, o escritor é um emissário quase que passivo. Isto pode ser observado quando o escritor faz perguntas ou dá explicações sobre o que está sendo dito, como por exemplo no apocalipse de João.

Precisamos entender três momentos nos escritos bíblicos. Primeiro o profetismo, que trata de assuntos relacionados com a monarquia, o culto, o pecado, impurezas. Num segundo momento temos as profecias escatológicas (apocalíptica), onde há determinadas partes dos textos dos profetas que, ainda que não sejam apocalípticos, trazem assuntos escatológicos e num terceiro momento temos a apocalíptica, onde o assunto é puramente escatológico.