Arquivo da categoria: Teologia

Disciplinas: Teologia e seus métodos, Teologia Sistemática e Teologia Contemporânea.

Substituição solidária – Uma Cristologia para os dias atuais.

            A partir de uma análise do neoliberalismo é possível perceber que seus conceitos são fortemente rechaçados pela visão do evangelho, onde o Cristo se coloca como servo de Iaweh e como homem da substituição-solidariedade. No neoliberalismo, evoca-se a pessoa do “EU” e cria-se a noção de individualismo, e não somente isso, mas de uma guerra, travada de forma a estabelecer o próprio crescimento. No contexto neoliberal, ninguém é instado a viver uma vida de troca, ou de substituição. A política neoliberal, ensina que você deve lutar para alcançar o seu lugar no espaço, e o individualismo é tido como algo normal.

            Na teologia veterotestamentária, a figura de uma expiação se torna fragilizada tendo em vista que havia expiação sem que, necessariamente, existisse arrependimento. Desta forma, a expiação não se estendia para a vida, mas se limitava a um ritualismo frio e sem muito sentido. Anos mais tarde, o povo de Israel coloca em uma mesma linha a expiação a partir do sofrimento. Este sofrimento não é em causa própria, mas em substituição à outras pessoas, sejam elas conhecidas ou não.

            Quando é feito o anúncio profético da vinda do Messias, já se vislumbra um futuro onde aquele ungido de Deus, serviria de forma completa, tanto ao Pai, que o enviou, quanto aos homens, para quem ele foi enviado. Em Jesus se insere esta espiação substitutiva, que espera, em contrapartida do ser humano, somente o arrependimento.

            O tempo dos bodes que caminhavam pelo deserto, sem destino, carregando o peso de pecadores que não se arrependiam cessara. Inaugura-se o tempo do cordeiro, que leva os pecados da humanidade e espera que, ao aceitar este sacrifício, o ser humano consiga se entender como alguém que precisa buscar o arrependimento de seus delitos.

            A ação de substituição outorga ao homem a capacidade de ter o Cristo se assemelhando a ele, ser humano, e, numa via de mão dupla, considera o ser humano como semelhante ao Cristo. O que antes era rico, agora se torna pobre, e os que antes eram pobres se tornam ricos, por serem considerados filhos de Deus.

            Desta forma, Jesus, ao deixar seu lugar de origem, vindo ao encontro do homem, não se coloca em posição de destaque, antes, se coloca na posição do mesmo ser humano a quem quer substituir. Além disso, a obediência ao pai fecha o ciclo de esvaziamento, onde o filho se esvazia de si mesmo, cumprindo toda a ordem divina de vir a terra, encarnar, sofrer, amar até a morte de cruz. Não é uma ação somente de sofrer por amor a alguém, mas é ação de obediência incondicional e de sofrer no lugar de alguém. O ser humano, com suas contingencias, não conseguiria obedecer ao Eterno, da mesma forma que um ser humano, chamado Jesus, conseguiria. É possível que a tentativa de toda a humanidade, não cumprisse em sua totalidade as exigências de Iaweh, e, portanto, foi preciso que o filho fizesse essa parte pela humanidade.

            Mesmo sendo assim uma substituirão que faz o que não é possível para a humanidade fazer, esta não fica inerte, aguardando as benesses da substituição. Existe no ser humano a responsabilidade pessoal, pois ao nos substituir, o Cristo fez mais do que ocupar nosso lugar e nos anular de uma responsabilidade. Mesmo que haja o lugar do Cristo, o substituto, não deixa de existir o lugar do ser humano, o substituído. Isso significa dizer que, ao nos salvar, o Cristo não nos retira o nosso papel na salvação. Ao contrário do que muitos postulam, não é um aceitar a salvação e não fazer nada, posto que tudo já foi feito. A substituição não é nunca foi aniquilação do ser substituído.

            Já não é possível ver a substituição feita pelo Cristo, como algo que tem um poder meramente jurídico. A todo pecado, o Eterno exige uma satisfação apropriada. O homem pecou, mas não pode dar esta satisfação apropriada. Deus, por mais que ame  ao ser humano, não pode ser injusto, perdoando-o sem que houvesse o cumprimento dessa satisfação. A solução está então, na substituição feita pelo Cristo. A humanidade não tem como pagar satisfatoriamente pelo seu pecado, mas o Deus-homem tem essa possibilidade.

            Essa explicação, embora lógica, não se fundamenta plenamente, tendo em vista que o advento do pecado não causa somente incomodo na relação entre o Divino e o humano, mas causa também incômodos na relação entre o humano e outro humano, entre o humano e o cosmos. Nesse sentido, ao aceitar a substituição do Cristo, o ser humano precisa trazer de volta aos eixos anteriores as relações com o próximo e com a natureza criada.

            O discurso teológico brasileiro, não enxerga, em sua grande maioria, esta forma de substituição de duas mãos. No Brasil há discursos teológicos que validam a desigualdade social. Nesses discursos, proferidos por religiosos descomprometidos com a verdade, teólogos de quinta categoria, de fundo de quintal é possível ouvir vozes que dizem “você caminha mal,quando não dá ao Senhor aquilo que é devido”. Desta forma, criam com seus discursos a ilusão de que cada um deve cuidar do seu próprio progresso, a despeito do fracasso de seu irmão.

            Enquanto as contas bancárias das instituições religiosas, equivocadamente chamadas de Igrejas, crescem exponencialmente, a miséria de seus membros crescem na mesma proporção.  A teologia espúria do “é dando que se recebe”, parece funcionar de fato para um lado só, o lado que dá a falsa esperança de uma vida melhor e recebe o dinheiro como paga para sua teologia-lixo.

            Para conseguir este intento, em muitos casos, retorna-se a um processo de expiação, sem substituição e arrependimento. Sem substituição, pois se fossem dessa forma, exigiria aos alcançados pela substituição um posicionamento de equilíbrio com o Eterno, o próximo, consigo mesmo e com o cosmos. Sem arrependimento, pois não se cultiva a necessidade de reconhecer a possibilidade de não se ter como pagar ao Eterno pelos delitos, precisando para isso do Deus-homem como substituto.

            Desta forma, não é mais o Cristo, o substituto, mas a instituição. Não é raro encontrar discursos que criam delimitações que já não são mais “antes e depois de Cristo”, mas as novas delimitações são “antes depois da igreja X”. Isto nos revela que a fé se tornou privatizada. Não é mais a fé no Cristo substituto, mas é a fé no cristo substituto da igreja X. Nesse sentido, a fé nesse cristo é paradoxal, já que se apresenta como solução de um só lugar, sendo esse substituto individualizado e não oferecido a todos os povos.

            No contexto social brasileiro, é possível encontrar a corrupção, o tráfico de influencias, a desonestidade, o desvio criminoso de verbas, o superfaturamento, sem que sequer se saia do contexto da instituição chamada igreja. Desse modo, como será possível construir uma teologia brasileira que se digne a mostrar o verdadeiro teor da substituição de Jesus Cristo? Como fazer com que o ser humano perceba a igreja como representante do Cristo substituto, quando ela mesma age de forma individualista?

            A resposta a essas perguntas deverá ser um dos desafios de todos os cristãos, quer sejam eles teólogos ou não. Se não existirem respostas a essa indagação, de nada adiantará anunciar um Deus que, diante de dúvidas tão contundentes, prefere permanecer calado.

Sobre as perguntas em tempo de crise e o futuro do Cristianismo

Teologia em tempos de crise

            Se, como afirma Benedito Ferraro, temos mais perguntas que respostas em tempos de crise, pode-se  dizer que estamos vivendo, no contexto do cristianismo atual, o tempo de todas as perguntas, muitas vezes, sem nenhuma resposta a curto prazo.

            A proposta cristã superficial de que aceitar Jesus como caminho verdade e vida, já não garante todas as respostas que o ser humano precisa. Alguns, e arrisco dizer, uma grande e assustadora parcela, acreditam que já detiveram o conhecimento do caminho verdade e vida, entretanto, continuam perdidos em seus próprios caminhos, e o que é pior, no caminho, verdade e vida que acreditam conhecer.

            O significado deste caminho, verdade e vida, não tem conseguido atingir o ser humano, pois aqueles que deveriam dar esse significado, proferem discursos contrários ao significado. Por conta disso, ainda encontramos tanta injustiça social, exclusão, permeando e no meio de um evangelho que por si só tem uma proposta de justiça e inclusão. No contexto do Brasil, essa realidade é cotidiana, explicitada nos meios de comunicação e mesmo assim, a resposta teológica para esse sistema ainda é frágil, quando existe. Na maior parte do tempo, não há sequer proposta teológica para esse tipo de situação.

            No mundo globalizado, criador de centenas de milhares de excluídos, o cristianismo não pose se resumir numa pregação cujo discurso seja do tipo “aceite Jesus para ir para o céu”, quando toda a problemática que atinge esse excluídos acontece aqui na terra. É preciso que os cristãos progridam dessa reposta teológica padrão, tendo em vista que, na perspectiva do Cristo, o Reino de Deus não se estabelece no céu, mas na terra. Viver um evangelho que ignore isso é viver um evangelho em desacordo com o próprio evangelho, onde o próprio Cristo ensina orar, suplicando para que o Reino venha até nós, e não nós sejamos levados ao Reino.

            Se, de fato, quisermos que o discurso teológico cristão, tenha algum efeito transformador, precisamos entender o ser humano, distribuídos em suas várias culturas, carece de apliquemos nossos discursos a partir da diversas culturas existentes e não nos fixarmos na mesmice estabelecida pelos dogmas cristãos, que, ao serem aplicados indiscriminadamente  à vários povos, sem os considerar com povo, se torna um discurso vazio e puramente religioso.

            Mesmo sendo a verdade do cristianismo única, a aplicação dessa verdade dependerá sempre do significado dado a essa verdade. Para considerar o discurso teológico cristão como eficaz, será preciso fazer um esforço de modo a significar a verdade do Evangelho às realidades multiculturais dos países. Será preciso também que o teólogo progrida de um saber único para um saber plural acerca do ser humano. O teólogo que se furtar desse avanço em outros saberes, estará fadado a transmitir uma verdade que só sirva para um contexto pequeno de uma realidade diminuta.

            Que respostas teológicas poderemos trazer para um mundo que direciona seu potencial produtor não para aumentar esses produtos, de modo a satisfazer a necessidade do ser humano, mas simplesmente para, aumentando a produção, auferirem maiores lucros? Que respostas a teologia pode dar, ao falar do Eterno para as pessoas que não tem o mínimo de condições para ter uma vida digna? Já não é mais resposta plausível, aquela que se dá no contexto de uma salvação futura, tendo em vista que os problemas não são do futuro, mas da realidade presente. Nesse sentido, dizer que Jesus supre todas as necessidades humanas e deixar o ser humano carente, é um contrassenso. Anunciar o Cristo, como o pão da vida, e permitir que o ser humano padeça de fome, é fazer um discurso teológico sem fundamento.

            Se há, na teologia cristã, certa predisposição ao combate da idolatria, é preciso perceber que em muitos casos, o modelo de idolatria definido há séculos atrás, não é o mesmo de hoje. Há hoje uma idolatria sem postes-ídolos, estes foram substituídos por deuses conceituais, sendo o mercado capitalista um os maiores. Não há sentido em apresentar um Deus, sem que ele represente, ao mesmo tempo, vida eterna, pão, terra para plantio, local onde morar com dignidade e liberdade.

            Está claro, na narrativa bíblica que o Eterno faz opção pelos pobres e excluídos. No contexto  da América latina, o mesmo Deus que agiu através dos profetas, nos últimos através do filho, já não pode ser visto nos índios, negros, mulheres, crianças, migrantes, favelados, camponeses sem terra. Desta forma, é possível perceber que se faz necessário a busca por um discurso teológico que enfrente a realidade de o cristianismo estar na contramão do que que ensinou o próprio Cristo, quando disse “o Reino de Deus está em vocês”.

            Um discurso teológico que não enxergue as minorias, é um discurso desconectado das características do Cristo, que sempre se colocou no lugar dos vitimados, a ponto inclusive de substituí-los na cruz. Se há opressão político-social, o papel da teologia é ir na via contraria dessa opressão, propondo soluções para a desvalorização do pobre e do excluído da vida social onde ele habita. A opção teológica equilibrada, fará surgir uma opção político-social equilibrada, o que pode ser visto como utopia, mas que em ultima instancia, é chamado de Reino de Deus.

            O discurso teológico cristão deve estar atento na forma de divulgar as verdades do evangelho, de modo que, ao faze-lo não trate a cultura de outros povos como algo menor, o que tornaria a propagação desses verdades um autoritarismo, no lugar da expressão da liberdade. Nesse sentido, o discurso teológico deverá respeitar o horizonte cultural, sem contudo, correr o risco de, para proteger a cultura, cair no erro de um reducionismo.

            Por fim, o discurso teológico cristão, não deve apresentar um cristo que não seja humano, mesmo que ele seja Deus. É na humanidade do Cristo que o homem se identificará e conseguirá dessa forma, encontrar-se consigo mesmo

A espera da aurora

 

            Qual é o futuro do Cristianismo? Esta pergunta está presente no texto e Jean Delumeau.  Muito mais que isso, é uma pergunta que está presente na história do cristianismo moderno. De fato, é um pensamento que se tornou corriquei nos últimos anos de que o cristianismo está fadado a se extinguir.

            Existe um decréscimo generalizado no que se refere às práticas consideradas comuns o cristianismo, existindo uma diferença entre a religião que se vive e a religião proposta pelas instituições religiosas. Na Europa, que foi por muito tempo um dos lugares centrais do cristianismo, os conceitos sobre a bíblia, casamento, família, religião e domingo como dia religioso, já não tem a mesma representatividade. Para Delumeau, está ocorrendo, principalmente na Europa, mas não somente nela, um processo de descristianização que progride velozmente.

            O cristianismo paga uma hoje um extensa conta, pelos erros cometido pela instituição no passado, quando seus dogmas, ao serem contestados eram cobrados com torturas e morte. Mesmo que o cristianismo tenha sido a religião que mais tenha feito sua mea culpa, é tão desconfortante quanto inegável perceber que ainda há quem cobre pelos pecados cometidos em nome de Deus, mesmo que, esta mesma instituição tenha sido a base para difusão de conhecimento e da cultura.

            Nesse sentido, há certa hipocrisia em quem insiste e culpabilizar o cristianismo, no lugar de entender a culpa dos seres humanos e não da instituição. Há um cuidado em até mesmo preservar os grandes prédios e monumentos cristãos, sem contudo existir uma preocupação em preservar o que serviu de base e inspiração para tais construções. Preserva-se o que se vê aos olhos, mas não se preserva a fonte de inspiração para o que se vê aos olhos.

            O mesmo cristianismo, considerado como agonizante por muitos, é o cristianismo que faz aflorar as ações altruístas que, em grande parte do mundo, tem servido para o resgate da dignidade de muitos. Outro resultado do cristianismo foi o de ter transformado radicalmente a sociedade por onde ele se difundiu, estabelecendo obras de caridade, estruturas hospitalares, entre outras ações de cunho humanitário.

            Se há um processo de descristianização da Europa, o mesmo não acontece em outras regiões como na América Latina, Africa e Asia. O decréscimo europeu, então, não significa um declínio do cristianismo em todos os lugares do mundo.

            Considerando que a humanidade está sempre em movimento, o cristianismo precisa adotar uma postura de movimento sempre apontando para o futuro, e se não o fizer, estará fadado a se tornar uma religião incompreendida. Será preciso que o cristianismo inove para adaptar-se a uma realidade sempre em movimento. É preciso se desprender de uma organização imutável e mostrar a encarnação de forma radical, sem desconsiderar o pensamento do homem moderno.

            O século XX foi responsável pela morte de vários cristãos, desde simples fiéis até aqueles que ocupavam posição de destaque na religião cristã, e muitos deles assumiam a postura do Cristo quando disse “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Parece-me que o cristianismo não se conformará a afirmação de que ele morrerá, e ainda mais, crescerá a medida em que seus seguidores forem perseguidos. Mas é preciso que se perceba que a modernidade e a globalização não conviverá bem com o cristianismo tal como o conhecemos. Para se manter e continuar sendo relevante na sua mensagem, o cristianismo precisará buscar um meio para transmitir sua mensagem neste mundo atual.

Resumo do texto “Esse Deus que dizem amar o sofrimento” de François Varone

            Se há vários textos do antigo testamento que fundamentam um total desagravo da parte de Deus pelo sacrifício sangrento, por que motivos o cristianismo se apegou tanto a esse tipo de visão da salvação? O Sangue e o cristianismo só podem fazer uma dupla perfeita se não estiverem sob o signo da religião. É a fé que faz com que sangue e cristianismo se consolidem.

            Quando o ser humano se viu diante do principio religioso de que o homem fraco deve se humilhar diante da divindade, tendo que pagar pelo seu perdão, acabou por entender de forma errada o sangue e o sacrifício de Jesus, rebaixando-os a somente a uma morte expiatória, tal como os animais da antiga aliança. Esse mal entendido, colocou o cristianismo em posição de rejeição e descrença.

            É preciso que se faça um exercício de libertar o sangue e o sacrifício de Jesus do contexto da “satisfação”, devolvendo-o para o contexto da revelação. No encontro do Cristo com Zaqueu, fica claro que a salvação se dá a partir da vida de Jesus e não a partir da sua morte. Nenhum sangue foi derramado na casa de Zaqueu, para que Jesus dissesse: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. A fala de Jesus, em vida, sequer considera que Zaqueu era um homem que pudesse encolerizar Deus e suscitar nele a ira, que exigiria o sacrifício.

            A forma como o cristianismo percebeu a “satisfação”, acabou fazendo de Deus um ser mau que está interessado somente cumprir rituais e preceitos jurídicos. A “satisfação” reduz Jesus a uma função meramente expiatória, tal como os animais da antiga aliança. Seguindo por esse caminho, toda a sua vida, ação e ensinamento só serviram para excitar o seu carrasco.

            Além de deformar a face de Deus, a “satisfação” deforma o sentido da igreja fazendo dela somente um poder religioso que está entre o homem pecador e o Deus ameaçador. Desta forma, a igreja passa a ser um mecanismo ritualista e ritualizante da fé cristã, afundando o cristianismo na religiosidade.

            O ser humano, sendo fraco, busca organizar meios para atingir o todo poderoso. Para isso, faz sacrifícios cada vez maiores a ponto de atingir o maior dos sacrifícios: o sacrifício humano. O novo testamento se preocupa, em sua maior parte, em mostrar o movimento da igreja sob a inspiração do Espírito Santo, entretanto, se não há um olhar para a fé, existindo somente um olhar religioso, a leitura principal e o acontecimento clímax do novo testamento acaba sendo a morte bruta de Jesus e todo o seu suplício. Essa é uma perversão feita pela religião ao sacrifício de Jesus.

            A religião entende que o homem não tem mais como suprir a falta cometida, tendo em vista que o único bem supremo que ele poderia oferecer, já está comprometido pela punição dada pelo pecado cometido. Não existindo na humanidade um só inocente cuja morte teria valor, a morte do filho de Deus, inocente, satisfaz o preço exigido pela culpa da humanidade. A morte de Jesus satisfaz não só o preço pelo pecado, como aplaca o medo do religioso diante da terrível justiça de Deus.

            A religião contribuiu também para fazer com que o ateísmo existencialista perceba a salvação como uma não-salvação. Se o pecado do ser humano suscitou a ira divina, e somente a morte do inocente filho de Deus pode aplacar essa ira, que motivos tem esse Deus para continuar mantendo o ser humano em um caminho para a morte? A conclusão que se chega, a partir do pensamento religioso, é que o homem não recebe a salvação. No lugar de ter uma salvação, o homem se torna um bloqueado, preso ao medo desse Deus exigente. O medo decorre da percepção religiosa de que Deus ainda não ficou totalmente satisfeito com a morte do seu filho, desta forma, o homem tem uma salvação que não o salva, antes parece que a salvação é para salvar Deus. A religião faz da transcendência de Deus um ar viciado, entregando-o a uma asfixia.

            A “satisfação” isola a morte de Jesus, fazendo dela um fato jurídico, uma exigência de Deus, diminuindo seu valor como ação reveladora. A morte do filho, como processo de revelação do Pai, faz da salvação algo concreto na vida do homem, fazendo com que o que agrade infinitamente a Deus não seja a compensação dos pecados, mas a libertação do desejo do homem.

Na revelação, Jesus Cristo passa a ser visto pelo ser humano como alguém que vai além do sacrifício e o leva a experimentar de um Deus benevolente.  Desta forma, torna-se possível enxergar a real face de Deus, totalmente contrária à face difundida pela religião, a face do amor de Deus.

Perceber este Deus benevolente nos faz agir de forma diferente, mudando nossa forma de apresentar Deus para os outros, de modo que, se enxergamos um Deus benevolente, o apresentaremos tal como ele é, anunciando-o de forma diferente ao que preceitua a teoria da “satisfação”. Passamos a anunciar um Deus com características contrárias a teoria da satisfação, que revela um Deus que ama o sofrimento e o sacrifício de seu filho.

Ao proclamarmos Deus como Deus de amor, libertamos o homem da alienação e da opressão de um deus falso, de quem devemos ter medo. O homem recebe a mensagem de forma correta e é liberto do julgo “satisfação”, não existindo mais a necessidade de se aplacar a ira deste Deus que exige um preço sangrento pelo pecado.

Resenha dos capítulos 1 e 2 do livro teologia sistemática no horizonte pós-moderno

Sobre o autor

            O texto foi escrito por Alessandro Rodrigues Rocha – Pastor Auxiliar da Segunda Igreja Batista de Petrópolis, Bacharel e Mestre em Teologia Sistemática pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, Doutor em Teologia pela PUC-Rio. O autor é coordenador Acadêmico da Faterj, e editor da Série: “A Bíblia Aberta para Hoje”. Coordenador Acadêmico do Curso de Teologia na Unigranrio e autor das Obras Literárias Espírito Santo – Aspecto de uma Pneumatologia, Uma Introdução à filosofia da religião e Teologia sistemática no horizonte pós-moderno, publicados pela Editora Vida.

Resumo

            A metafísica é apresentada como método de compreensão da verdade. Heráclito defende a ideia de que os contrários formam  a unidade. Partindo da experiência, da existência, tendo como elemento primordial o vir-a-ser, onde a realidade está sujeita a um vir-a-ser continuo. O devir é o centro do pensamento de Heráclito. Nada na vida pode ser considerado como novo e não existe a possibilidade de experimentar da mesma coisa duas vezes da mesma forma. O contrário de Heráclito, Parmênides tenta eliminar variáveis e contradições. O princípio de sua abordagem é o ser é o que o não-ser não é.

Platão aproxima-se em um primeiro momento ao pensamento de Heráclito e de Parmênides. Arruma o pensamento de Heráclito e Parmênides e os organiza como um edifício de dois andares.  Há o mundo das ideias, o mundo do ser, onde habita o conhecimento verdadeiro, a perfeição e o mundo das sombras, onde o que existe é a distorção do mundo das ideias. A ideia que temos da verdade, bondade, igualdade, a ideia universal do homem entre outras, não as temos pela experiência, mas por uma recordação. Nesse sentido, é necessário que recordemos aquilo que a alma capturou do mundo das ideias. Aristóteles sistematiza a metafísica em seu nível mais complexo, afirmando ser a metafísica a ciência capaz de dizer o ser como ser, sendo uma ciência que investiga o ser como ser e seus atributos que lhes são próprios em virtude da natureza. O lugar da verdade é o ser assim como é. Nesse sentido, a metafísica será uma filosofia do ser. A essência e existência defendida por Platão é visto por Aristóteles  como coexistentes em um mesmo espaço, introjectado no próprio ser humano.

Quando o cristianismo encontra o mundo grego, a tarefa de demonstrar Deus revelado na aliança, encontra uma certa facilidade, pois coincide com o principio último da realidade, buscado na ontologia grega. Os apologetas do cristianismo pensaram encontrar na filosofia grega uma linguagem adequada para descrever o caráter extático da experiência religiosa. A teologia cristã encontra na filosofia grega um instrumental teórico que lhe permitia comunicar a experiência de fé com base no conhecimento. Com a metafísica, a teologia cristã identifica a verdade em sua única possibilidade, em sua condição unívoca e com a lógica e sua lei de não-contradição, a teologia cristã oferece elementos de coerção/exclusão capazes de manter a univocidade dos discursos. Nesse sentido, tanto a filosofia grega, quanto a teologia cristã, percorreram o mesmo caminha da afirmação da metafísica como método adequado a univocidade da verdade. O cristianismo abandona a equivocidade da metáfora para gradativamente se aproximar da univocidade da metafísica. Em suma, como compreensão de uma só voz acerca da verdade, pôde surgir numa religião marcada tão fortemente pelo uso da linguagem metafórica.

A igreja traduziu o conteúdo de sua mensagem do evangelho em termos racionais, para que essa mensagem fosse acessível ao pensamento grego. Essa junção de pensamentos facilitou a propagação do cristianismo. Justino Mártir, tendo estudado filosofia antes de sua conversão afirma que não só não existe oposição entre filosofia e cristianismo, mas pode-se afirmar que há uma grande identidade entre os dois. Ele busca na filosofia um método eficaz para combater as heresias, do ponto de vista interno e superar a crítica que era feita ao cristianismo, o que para ele era tolice, superstição misturada com fragmentos filosóficos. Em Justino, o discurso teológico-cristão volta-se para a metafísica e se distancia de outras fontes de reflexão teológicas pós-apostólicas.

Clemente de Alexandria considera que à filosofia tem a tarefa de conduzir os gentios a Cristo. Assim como os Judeus, não conhecendo o advento da salvação, tinham na lei uma expressão da vontade de Deus, os gregos estavam na mesma situação antes de conhecer a salvação e, não possuindo nem fé nem lei, a verdade lhes vinha do uso da razão natural. Mesmo que Deus não lhes tenha falado diretamente, nem por isso deixou de guiá-los pela razão. Para Orígenes cabe a primeira tentativa de sistematização da teologia cristã.

Para Agostinho, o conhecimento humano observa três aspectos: os sentidos, responsável pelo conhecimento dos corpos, a razão inferior, responsável pelo conhecimento das leis da natureza e a razão superior, responsável pelo conhecimento das verdades eternas. Agostinho estava convicto de que a alma é superior ao corpo, não podendo depender dele em nenhuma das suas atividades, nem mesmo na sensitiva. Agostinho, não concordando com a teoria da reminiscência, propõe a doutrina da iluminação, onde o Divino auxilia na compreensão das verdades eternas. Desta forma, Agostinho consagra a metafísica como instrumento adequado de conhecimento da verdade. Nesse sentido, os discursos teológicos devem partir de uma iluminação que lhe permita dizer a verdade sobre os temas da fé.

Tomas de Aquino afirma que se conhecemos toda a verdade nas razões eternas, isso não requer nenhuma revelação especial a não ser a da própria inteligência. A alma possui em si mesma a regra infalível da verdade. A verdade que em Platão só podia ser encontrada no mundo das ideias, para Agostinho, está na mente humana e pode ser conhecida pela inteligência, ela própria, um dom de Deus. A metafísica é sem dúvida o caminho pelo qual a filosofia grega afirmou a univocidade e na univocidade não há possibilidade de que se gerem várias interpretações e a partir dessas interpretações, qualquer leitura que se faça produzirá polissemia hermenêutica.

O que foi descrito até aqui reflete uma perspectiva metodológica que partindo em sua reflexão desde os princípios universais da fé e por dedução ia explicando-os, aplicando-os a outras realidades, onde as respostas estão elaboradas antes mesmo das perguntas serem feitas. Essa abordagem metodológica, com ênfase apologética, criou um corpo doutrinário que num primeiro momento possibilitou o diálogo da teologia cristã com a cultura a sua volta. A abordagem da teologia dogmática clássica contribuiu para a sustentação do discurso unívoco próprio do sistema manualista. As influencias da sublevação da metafísica no interior do discurso teológico-cristão, resulta em primeiro plano a dogmatização dos temas da fé instrumentalizados no âmbito da univocidade discursiva própria da teologia apologética. O próximo passo foi sistematizar os temas dogmatizados, para serem circunscritos no âmbito da manualística. A aproximação e o diálogo com a cultura grega constituiu um passo importante para a teologia cristã. A aproximação foi cristalizada e a experiência religiosa e a cultura foram identificadas  como sendo a revelação. A permanência da metafísica como padrão metodológico para a teologia sistemático-dogmática negava seu valor primeiro quando se apresentava com elemento cultural capaz de comunicar sentido a homens e mulheres de uma época.    A teologia sistemática manualista fez em seu discurso levando a mediação transformando-a em normas prescritivas, impossibilitando novas mediações. Este sistema manualista fecha seu ciclo quando poupa a muito dos seus leitores o pensamento critico pessoal e uma decisão independente e responsável. O pensamento dogmático se expressa na teologia com clara preferência pelas teses, que não são discutidas, mas que são apenas enunciadas postulando concordâncias ou rejeições, nunca em um pensamento dependente e responsabilidade pessoal.

Crítica

            O texto é muito rico e denso em sua forma de abordar o assunto proposto. Como a proposta inicial do texto perpassa pelo conhecimento filosófico, há certa dificuldade de entender, em alguns momentos, os conceitos ali expostos. Quem nunca lidou com o conhecimento filosófico, no contexto da academia, terá alguma dificuldade de absorção do conteúdo. Nesse sentido, acredito que a leitura do mesmo teria sido mais eficaz, se na matriz curricular do curso, existisse já no principio a matéria de Filosofia.

A forma como o texto aborda a relação da teologia cristã com a filosofia grega, mostrando como a utilização de conceitos filosóficos serviram para uma teologia cristã pudesse ser anunciada, deixa bem claro que muitos conceitos da teologia cristã sofreram a influencia dos filósofos gregos. Esse é, no meu ponto de vista, muito interessante, pois consegue colocar o pensamento cristão ao lado do que se pode chamar de primeiros passos no conhecimento da verdade.

Leitura do texto “História Teológica da Igreja Católica – Itinerários e formas da Teologia.

Por acreditarem que Jesus voltaria logo, os primeiros discípulos não se preocuparam em sistematizar ou relatar suas experiências como comunidades de fé. Mesmo que o tempo se passasse e a volta de Jesus não se concretizasse, no pensamento dos primeiros cristãos ainda existia, ainda que distante, a perspectiva de uma volta repentina. Os textos existentes e consultados pelos primeiros cristãos faziam parte dos mesmos textos utilizados pelos judeus, com uma lente analógica que se baseava na experiência que eles tinham com o Cristo, ou com aquilo que receberam daqueles que tiverem experiências com ele. Quando a demora do regresso de Jesus é acentuada e percebida como realidade, começa-se a produzir escritos que serviriam para expor e defender a nova fé nas comunidades. Este número grande de relatos, depois de depurados, deixando de lado os que eram duvidosos, juntou-se aos já conhecidos pela religião Judaica, formando posteriormente o cânon das escrituras sagradas.Do ponto de vista da missão de anunciar os ensinos de Jesus, a demora de seu retorno propiciou a oportunidade de aumentar o espaço destinado a esta missão, tendo em vista que se Ele ainda não regressara, haveria espaço para se pregar seus ensinos. Esta missão alongada acaba por estabelecer também um confronto mais sério e profundo com outras culturas.A problemática que surge então é que para defender suas idéias, os cristãos assumem uma posição defensiva, caso sintam que suas convicções estão sendo atacadas por outras culturas e religiões. Nesse sentindo, ao anunciar o evangelho, as primeiras comunidades cristãs, entendiam que a prática adequada para se receber a salvação passava pela repetição de textos, leis, rituais, acreditando que os elementos dessa salvação já estavam definidos, vindo essencialmente do além.

Entendendo que “guardar o depósito” consistia basicamente nessas ações, os primeiros cristãos vivenciavam a presença de Deus através da sua Palavra, em seus Sacramentos e na Autoridade exercida em seu nome. Esse posicionamento animou os primeiros cristãos a serem fiéis de forma inteligente, e a prática quanto ao ritual, promovendo uma audácia missionária fazendo com que o evangelho fosse anunciado com arrojo.

Em relação a outras religiões, entretanto, ao assumir uma atitude defensiva de suas crenças quando atacadas por práticas diferentes, os cristãos acabavam por ignorar e por vezes destruir as culturas que são alheias ou opostas à mensagem e eventualmente substituir essas culturas por outra considerada como fruto do cristianismo. Anunciar que só Jesus Cristo salva e ponto final, empobrece a mensagem da salvação, tendo em vista que os que precisam ser salvos possuem carências definidas que precisam de uma resposta mais ampla. Muitos precisam ser salvos da fome, da miséria, da ignorância e da nossa percepção do que é certo e errado.

Há uma verdade que se deve perceber: ao evangelizar, os cristãos promovem uma mudança e nessa mudança é capaz, ou deveria ser capaz de fazer intercâmbios entre as religiões e outros saberes, a fim de que tanto o cristianismo quanto as outras religiões e saberes pudesse receber informações importantes a ambos os contextos. Essa possibilidade, entretanto, não tem se mostrado real.