Eu tenho um nome comum. Me chamarei aqui de João do sonho. Poderia ser José, Antonio, Maria. Seja lá qual for o nome, o fato é que eu tive um sonho.
Não, não foi um sonho tal como daquele rapaz que discursou, falando de união, fraternidade, comunhão entre raças. O sonho dele colocava ordem ao caos, o meu ao contrário, era somente caos.
Sonhei que meus dias haviam terminado aqui na terra. Não só os meus dias, mas os dias de todos os moradores da terra. Eu, que sempre acreditei no céu, me vi diante de uma porta aberta, com uma placa pendurada onde havia uma inscrição em um idioma que eu nunca havia falado, mas que não sei como, eu entendia tudo. Lá estava escrito:
“Entre, é de graça e pela Graça”.
Não entendi muito bem. Aliás, nunca entendi muito bem o que realmente era essa tal de Graça. Tanto não entendia, que as vezes limitei o acesso a ela para algumas pessoas que julguei não terem feito o suficiente para recebe-la.
Mas se eu estava ali, na porta da inscrição da Graça, era porque, não importa os motivos que me moveram em vida, eu mereci estar ali.
Quando comecei a atravessar aquele portal, pude perceber algo que me causou estranheza. Conversando alegremente com algumas pessoas, estava aquela irmã, que quase não frequentava os cultos. Como eu ia em todos os cultos, confesso que me questionei. Por que motivos ela estaria ali, uma vez que não havia sido tão fiel quanto eu fora fiel. Mas como não me compete julgar, deixei isso de lado e continuei caminhando por aquele lugar.
Mais a frente vi uma cena que me deixou sem chão. Alias, sem céu, já que no sonho eu estava no céu.
Vi aquela prostituta, que por várias vezes passou por mim oferecendo seus serviços. Eu corria dela como o diabo corria da cruz. Alias, por onde será que ele anda agora?
Algumas vezes eu percebi que uns irmãos de outras igrejas falavam com ela, ofereciam alimentos e até cuidavam de algumas feridas que ela havia adquirido no dia a dia da sua profissão. Mesmo que em choque, decidi deixar isso pra lá, afinal de contas, não cabe a mim julgar.
Caminhando um pouco mais, comecei a ver algo que não gostei e não admitiria de forma alguma. Homossexuais, drogados, bêbados, ladrões, todos eles que viviam na periferia do bairro onde morei e que as vezes eu vi tentando entrar na igreja, mas que foram acertadamente impedidos de entrar pelos oficiais da igreja. Como poderia ser isto? Eles ali no céu também?
Neste momento, não deu para me conter. Pedi para chamarem Jesus, pois ele teria que explicar tamanho equívoco. Como pode, pessoas tão indignas no mesmo céu que eu, que tanto lutei, me sacrifiquei, me doei pela causa do Evangelho?
Demorou um pouco, mas Jesus veio e então desaguei todo o meu descontentamento com tamanho erro. Falei para ele da placa que dizia que a entrada ali era pela graça, mas que aquelas pessoas não tinham sido corretas a ponto de merecerem a graça.
Fui falando essas coisas e levando Jesus para o lado de fora do portal para que ele visse a placa, pois julguei que assim minhas palavras seriam mais contundentes. E finalizei dizendo:
– Eu não posso ficar no mesmo céu que esses indignos. Tenho direitos que foram adquiridos na minha carreira evangélica.
Jesus, com muito amor, olhou nos meus olhos. Logo vi que ele havia compreendido a minha reclamação. Ele então calmamente me disse:
– Filho, a porta está aberta, você pode entrar e ficar, mas se não quiser, pode ir para o outro lado. Lá você encotrará muitas pessoas iguais a você.
Foi então que comecei a ouvir um som repetitivo e agudo.
Fui acordado pelo meu despertador que emitia um som caótico, e tive a certeza de que eu não estava naquele céu caótico, mas tive a certeza também que talvez nem mesmo a um céu caótico eu teria direito quando partisse desta vida.
Inspirado na aula do professor Marcio Simão
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