Resumo
O texto inicia-se com uma visão panorâmica sobre os momentos em que o rei Josias havia passado ao estabelecer uma reforma espiritual, aliado ao livro que fora achado nas escavações do templo de Jerusalém: o livro da Lei. Após a leitura do livro, Josias resolve que deveria ser escrito um outro livro, que contasse os feitos de Israel, do seu povo dos seus profetas e dos seus heróis.
A confecção deste livro passaria pela reunião de todos os documentos que fossem tidos como importantes para a história. O local de busca dos documentos, em princípio seria os arquivos do palácio e do templo. Registros da história da vida e do reinado de David, com todas as implicações familiares, textos que falavam da construção do templo com detalhes, escritos sobre a reforma religiosa de Ezequias, entre outros. Além do que fora encontrado nas bibliotecas do palácio e templo, foram analisados e em seu tempo acrescentados as tradições encontrada entre a população, de forma que não só o que estava escrito, mas o que fora passado na tradição oral fosse incluído na redação final desta parte do texto do pentateuco.
Com um número extenso de material a ser compilado, foi preciso que se deixasse de fora muito do que fora pesquisado e, deixando de ser compiladas histórias de conteúdo imoral e violento, em contrapartida, foi acrescentado muito do que se supunha ser verdade. Essa parte do texto serviria como complemento e também como material de servisse de entusiasmo ao povo que os animasse a servir a Javé, rejeitando qualquer forma de idolatria.
Muito do que foi inserido no texto foi composto por alguém e dito ser da autoria de outro grande personagem, como Moisés, de modo a dar credibilidade ao que fora escrito. Este recurso parece ter sido bastante utilizado e tudo que foi posto “na boca” de homens como Moisés seria aceito como sendo dito por ele, considerando o seu prestígio entre o povo. O conteúdo, porém da narrativa deveria apontar para uma visão teológica de um único Deus de Israel, a fim de que a política religiosa de Josias fosse bem justificada.
Mesmo que cada tribo tivesse se estabelecido sua conta e com muita dificuldade, foi importante descrever a conquista territorial de forma que fosse incutido a ideia de que o povo agiu de forma unida, conquistando juntos a terra prometida. O material encontrado sobre uma conquista particular de cada tribo foi deixado de lado a fim de que a conquista coletiva fosse valorizada como sendo a melhor história. Além disso, o texto é construído de modo a mostrar que a conquista da terra, além de ter sido feita em comunidade, só foi possível pelo fato de Josué ter conduzido o povo em fidelidade a Deus, ação esta que os permitiu dispersar os povos pagãos da terra, mesmo que na realidade estes povos continuasse lá e alguns, convivendo muito bem com os israelitas. Nesse sentido, a história contada não precisou seguir os fatos em sua exatidão, mas cumprir o papel para o qual a narrativa foi composta: mostrar que os antepassados do povo de Israel conquistaram a terra porque não aceitaram em nenhum momento a idolatria nem os idólatras daquela terra.
O enfoque dado a Lei de Moisés, era o pano de fundo para que se fosse compreendido que, ao seguir a Lei, o povo estaria sendo abençoado por Deus, libertos de seus inimigos e tendo suas terras estabelecidas e conquistadas, mesmo que para isso fosse necessário exterminar da terra os povos que antes a habitavam.
Na composição dos tempos dos Juízes, a história teve seu estabelecimento de modo que cumprisse algumas diretrizes. Personagens que a princípio cairiam em descrédito entre o povo, foram construídos de forma a que virasse heróis, como no caso de Sansão. Outros, que não tiveram grande participação, foram elevados a categoria de grandes guerreiros. Outro cuidado foi de mostrar que os Juízes não foram estabelecidos em áreas geográficas específicas, mas em todo Israel. O objetivo disto era mostrar novamente a unidade do povo. Outras histórias foram propositalmente esquecidas de modo que não atrapalhasse o objetivo unitário inicial.
A descrição da formação da monarquia em Israel esbarrou-se em duas tradições. Uma dizia que a monarquia era algo que Deus queria e outra dizia o contrário. As duas propostas foram aceitas de modo que o leitor não conseguisse uma ideia real do que realmente ocorreu. Saul é descrito de uma forma a ser vitima dos que eram partidários de David, ao sul e dos inimigos da monarquia, ao norte. A história da vida de David, foi contada a partir do material já existente, não sendo, portanto, possível retirar dela nem mesmo os fatos moralmente errados e violentos. Os detalhes minuciosos da construção do templo foram inseridos no texto de modo a mostrar o enfoque religioso da narrativa. Os profetas foram inseridos na narrativa de modo intercalado, ora profetas do sul, ora profetas do norte.
O primeiro ato se encerra com explicações sobre como a narrativa foi estabelecida. Em linhas gerais, animar o povo, mante-lo unido e fiéis a um único Deus: Javé.
O segundo ato se dá em um momento de crise, durante o cativeiro na Babilônia, no ano 560 aC. A culpa do cativeiro é assumida de forma simples. A História escrita há tempos atrás, mesmo escrita em tempos de otimismo, tinha como objetivo principal mante-los fieis a Javé, e como não o foram, lá estavam eles cativos na Babilônia. Neste momento da história, é acrescentado fatos que não existem na primeira construção da narrativa Deuteronomista. Os que eram fiéis foram exaltados e os infiéis pintados com uma matiz que mostrava todo peso da sua infidelidade no fato de o povo ter sido levado cativo. Ameaças de punição com o cativeiro séculos antes do fato ter ocorrido, mostrando que o povo deveria permanecer fiel. Pouco se acrescenta neste momento, e tudo indica para a desgraça de ser levado cativo. Um povo com tanta história contada por uma visão otimista termina com um pequeno grupo que, de volta para o Egito, sem terra, sem rei, sem liberdade, voltam para onde começou.
O terceiro ato resgata histórias que foram deixadas para trás, na tentativa de mostrar um povo puro, fiel e temente a Deus que não admitia homens que cometessem erros, a menos que esses erros fossem conhecidos por todos, como no caso de David. As tradições antes descartadas, passam a fazer parte da narrativa, mesmo que a inserção de algumas delas, contivessem falhas inevitáveis, como unir as tradições de Samuel às origens da monarquia. Essas falhas, porém não acabariam com as verdades centrais da história.
No quarto ato temos novamente uma nova compilação da narrativa Deuteronomista, que fará parte do que temos hoje na bíblia Judaica. A principio, esta organização tem como mudança fundamental, o fato de que neste momento fica estabelecido a narrativa de um passado glorioso dos patriarcas, a história da formação do povo, a libertação do Egito, a aliança no Sinai, a caminhada para a terra prometida. Em outras palavras, é a narrativa da identidade de um povo. O povo de Israel.
Crítica
O autor descreve a composição da Obra Historiográfica Deuteronomista a partir de uma abordagem em forma de atos, que são divididos conforme a época e as compilações feitas das tradições de várias partes do povo de Israel. Essa perspectiva de novela é usada para que possamos entender o panorama da escrita do texto bíblico.
Esta forma de descrever é extremamente simples e de fácil entendimento. O autor mostra com clareza as possibilidades da composição da narrativa bíblica, de modo que fica muito mais fácil entender o escrito bíblico sob uma perspectiva desassociada do que normalmente se ensina nas comunidades de fé.
A descrição da diversidade de material usado na composição do texto, nos permite entender repetições e, em alguns momentos, tensões contraditórias na narrativa bíblica. O autor nos mostra desta forma, quais foram os motivos pelos quais, nos deparamos com textos que são extremamente antagônicos e contraditórios, onde alguns textos chegam a negar outros já descritos.
Outro ponto importante salientado pelo autor, é que algumas contradições podem ser perfeitamente entendidas pelo fato de na época da escrita da narrativa bíblica, o processo de escrita e muito mais laborioso que atualmente.
O autor propõe três formas de leituras muito interessantes e que na maioria das vezes são totalmente ou parcialmente ignoradas. A leitura política, onde é possível vislumbrar as circunstancias estranhas pelas quais David chega ao trono, todas elas com justificativas contrárias à teoria; a leitura religiosa e teológica, que apontam para a relação entre Deus e a história. O autor mostra dessa forma que o Deus de Israel se compromete com o Homem até as últimas consequências, apesar de todas as falhas desse Homem.
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