Salve o Jorge que não é são.

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Como fazia todas as noites, seu Jorge chega à praça, lugar costumeiro onde come o ultimo pedaço de pão que encontrara em um lixo próximo, e que fora dividido em partes, para tentar conter a fome cotidiana.

Ele passou o dia todo ouvindo um burburinho falando de um tal Jorge, de quem diziam ser o dia seguinte, o seu dia.

Passou o dia recolhendo na sua turva mente, os detalhes que descreviam o tal de Jorge. Segundo diziam, era um homem muito querido. Seu Jorge se pôs a lembrar das vezes em que algumas pessoas que ele nem conhecia, chegavam até ele e lhe ofereciam algo para comer. Não eram muitos, de fato, mas ele pensava: “se me dão algo, mesmo sem me conhecer, deve ser porque eu também sou querido”

Pensando dessa forma, começou a se enquadrar na figura que ouvira falar o dia todo.

O outro Jorge de quem as pessoas falavam, era um guerreiro, um homem que lutava. Seu Jorge logo se identifica com essa descrição. “Quem, neste mundo tem que lutar mais que eu para sobreviver a cada dia?”, pensava ele.

Pensava também que era uma guerra diária ter que fugir das forças da lei, que, pagas por alguns comerciantes, insistiam em caçá-lo, como se fosse uma fera. Era uma guerra ter que provar para os outros homens, o que era o mais óbvio: “não me cacem, eu também sou um ser humano”

Algumas lojas passaram o dia adornadas de vermelho, segundo o seu Jorge pode saber, cores relacionadas com aquele outro Jorge. Mais uma vez, seu Jorge se identifica com o outro Jorge pensando: “minhas roupas não são vermelhas, mas o sangue que sai do meu corpo, quando sou ferido pelo mundo, é tão vermelho quanto as cores desse outro Jorge.

De tanto pensar, seu Jorge se aconchega nos trapos e papelões que chama de cama e adormece. Tem sonhos que o colocam como um homem de destaque, onde várias pessoas vem até ele e gritam “Salve são Jorge Guerreiro!”.

No sonho, tudo o que pensou, parece tornar-se realidade. Todos reconhecem o quanto ele, o seu Jorge é guerreiro e o fazem isso entre cantos e lágrimas.

Seu Jorge está naquele momento entre o sono e o despertar quando ao longe escuta alguns estampidos. Olha para o céu, que está pintado de luzes e escuta os sons de fogos, saudando a alvorada.

Olha para o lado, e percebe que seu companheiro de vida, que costumeiramente acordava antes dele, continua dormindo, em meio a uma mancha escura.

Seu Jorge se levanta, esfrega os olhos, tentando enxergar melhor vultos que estão a sua frente, quando ouve mais três estampidos. Um deles, causa-lhe uma forte dor no abdome, maior que a dor que sentia todos os dias quando estava com fome.

Ele se contorce e cai. Na posição em que fica, consegue perceber que um liquido vermelho sai de se corpo e ganha a praça onde dormia.

Nos últimos pensamentos ele se realiza: “sou eu mesmo, o tal do Jorge, basta ver como deixei vermelha toda a terra, nesse dia!”

Seu Jorge morre, sem saber que o outro Jorge morrera decapitado por sua fé, e não assassinado por uma sociedade que ignora sua fé e sua fome e já não suporta a sua presença.

Salve o Jorge que não é são, mas que morre todos os dias, em todas as praças, sem festa e sem fogos.

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