Neste dia em que finalizamos esta etapa de nossa caminhada teológica, dizemos tê-la começado há três ou quatro anos atrás. De fato, essa caminhada começou muito tempo antes. Ela começou no momento em que ouvimos a voz de um chamado nos direcionando a um preparo para a realização de mudanças estruturais na nossa sociedade. Nenhuma dessas mudanças, entretanto, será possível, se elas não começarem em nós mesmos.
Ao longo desses anos, ouvimos muitas vozes.
Houve uma voz que dizia a respeito da sublevação da metafísica em detrimento da metáfora. Ela quase nos deixou sem voz, mas no fim de tudo, nos inspirou a prosseguir no conhecimento de uma teologia que é capaz de dialogar com a filosofia.
Em outro momento, ouvimos outra voz que dizia que o reino de Deus se constrói no caminho. Ao ouvi-la fizemos nossos caminhos do Reino de Deus. Tivemos a alegria de viver esse caminho do reino na sala de aula, no café teológico, nos nossos aparelhos de telefone, e, sobretudo, na conversa confidencial e precisa que ajudaram a curar feridas de um reino, adjetivado como sendo de Deus, mas que por ser de homens, foi a causa principal dessas mesmas feridas.
Houve uma voz que dizia também, que o caminho seguido pelo texto da bíblia hebraica foi um caminho redacional em função da significação que se queria dar. Ao ouvirmos esta voz, tivemos a certeza de que a palavra de Deus não é prisioneira do texto contido em um livro sagrado de uma religião, pois nosso Deus é um Deus encarnado e não enlivrado.
Houve vozes, ainda, que nos impulsionaram a produzir textos bem escritos e tecnicamente acertados. Percebemos em pouco tempo, o quanto essas vozes estavam certas.
Ouvimos ainda outras vozes que nos falavam do aconselhamento, da prática da oratória, da escutatória e da educação religiosa. Nosso bom exercício do ministério como teólogos, teólogas, pastores e pastoras, dependerá dessas vozes, e destaco aqui a escutatória. Precisaremos escutar, muito mais do que dar receitas para aquelas pessoas que nos procurarem no exercício de nosso ministério.
As vozes do conhecimento, entretanto, foram intercaladas por outras vozes. Essas, muitas vezes, não tão queridas por nós. Essas vozes, em determinados momentos, nos feriram a alma e intranquilizaram o nosso coração. Foram as vozes do preconceito que insistiam em transformar teólogos e teólogas em proscritos, quase demônios, simplesmente por não estarem em um curso confessional.
Talvez, o medo de que nossas vozes destoassem do discurso comum e univocizante, muitas vezes recheados de preconceitos e de pressupostos tão anti bíblicos quanto anti cristãos, ainda que vestido de uma capa cristã, tenha sido o real motivo dessas vozes se manifestarem. Para essas vozes, não tivemos a intenção de nos calar e de fato não nos calamos, e, em muitos casos, pagamos um alto preço por isso.
Nossas vozes, tanto de mestres quanto de alunos, que buscavam na pluralidade do saber e conhecer o Eterno, vivenciar uma existência onde a voz de Deus fosse maior que essas vozes demonizantes e de um discurso univocizante, foram a resposta a essas vozes preconceituosas.
Nunca tivemos a pretensão de calá-las, pois nosso saber nunca foi conduzido na direção de ser melhor que o saber de outrem, sobretudo, do saber das outras gerações que vieram antes de nós. Nossa pretensão era somente ouvir essas vozes e considerá-las como pedras jogadas em árvore que frutifica, e, no nosso caso, frutifica a verdade pura e simples do evangelho do reino.
Toda nossa caminhada a partir de agora, será repleta de vozes a serem ouvidas, e caberá a cada um de nós, manter os ouvidos alinhados tanto com o conhecimento adquirido, quanto com a experiência vivida na relação entre nós como pessoas e, sobretudo, na relação que temos cotidianamente com o nosso Deus.
Ouviremos a voz do pobre, que gritará o grito da angústia de querer ter e não poder ter. Que tipo de repostas daremos a estes que a cada dia aumentam em número, agravando a crise social vivida em nosso país? Não podemos simplesmente ouvir, achar que é normal e perpetuar um silêncio, que dolorosamente tem sido, em muitos casos, a dura realidade de nossas comunidades de fé. Não podemos nos conformar em aceitar dos pobres, somente suas ofertas, no lugar de sermos nós mesmos ofertas vivas a todos os pobres e desvalidos, seguindo assim o modelo do Cristo.
Ouviremos a voz da mulher, que sempre é colocada à margem de uma sociedade machista, tanto na sociedade secular, quanto na sociedade cristã. Teremos que responder a voz que perguntará sobre os motivos de seus sofrimentos. Não poderemos nos calar diante da realidade ultrapassada que relega à mulher cristã o papel de cozinheira, intercessora, professora, e quando muito, não as permitindo desempenhar o sacerdócio universal descrito no texto sagrado, fazendo com que elas estejam caladas na igreja somente nos púlpitos e nunca nas outras áreas tidas como áreas da ação feminina.
Ouviremos as vozes dos viciados em drogas lícitas e ilícitas, que na ânsia de preencherem espaços vazios de suas almas e existências, se vilipendiam e se transformam em mortos vivos. Não podemos ignorar estas vozes, muitas vezes estampadas em rostos desfigurados, olhos desorbitados, mentes turbadas e, sobretudo, vidas perdidas.
Ouviremos as vozes dos diferentes, dos marginalizados, dos atingidos pelo preconceito e teremos que compreender que nosso ouvido precisa se assemelhar ao ouvido do mestre, que não julgava, antes, ouvia a causa de todos os que o buscavam.
Por ultimo, ouviremos a voz dos nossos corações. Eles dirão pulsativamente uma só palavra: SAUDADE. Saudade de termos sido amigos por todos esses anos. Saudades por termos sido ponto de apoio um ao outro. Saudade por termos sido irmãos. Saudades por termos sido seres humanos para seres humanos.
Esta saudade marcará nossas carreiras e nossos ministérios. Mostrará para nós que nunca fomos e nunca seremos felizes isoladamente. Nos fará entender que foi na comunhão de amigos e de irmãos que nossa caminhada até aqui foi possível. Nos definirá como pessoas que precisam umas as outras, para que sejamos Teólogos, Teólogas, Pastores e Pastoras mais humanizados, refletindo assim as características do Deus que se humanizou na pessoa do seu filho, e que pode ouvir todas as vozes de seu tempo, dando-lhes as respostas adequadas.
Há muitas outras vozes a serem ouvidas, não nos olvidemos de nenhuma delas. Mas não podemos deixar de ouvir, em todos os momentos da nossa caminhada a voz do nosso mestre e do nosso Deus, pois somente se assim fizermos, teremos condições de ouvir todas as vozes e clamores de nosso tempo e de nossa geração.
Que Deus nos capacite a ouvir e a responder e nos cubra com sua misericórdia.
Obrigado por me permitirem ouvir suas vozes durante todo esse tempo e obrigado por ouvirem a minha voz nesta noite.
¹ BRITES, Ronildo da Silva. Discurso proferido na cerimônia de formatura da turma Milton Schwantes, 1ª turma do curso de bacharel em Teologia da Unigranrio (Campus I – Duque de Caxias), no dia 17 de janeiro de 2015.
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